Marco Antônio Lage fala sobre fim da mineração e outros aspectos de Itabira

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Em entrevista ao Cidades e Minerais, o executivo falou sobre o panorama atual de Itabira, a relação da prefeitura com a Vale e a busca por diversificação econômica.

Marco Antônio Lage é prefeito de Itabira, diretor de Meio Ambiente na Associação dos Municípios Mineradores de Minas Gerais e do Brasil (AMIG) e vice-presidente da Frente Nacional dos Prefeitos (FNP). Na última quarta-feira (19), o executivo concedeu uma entrevista exclusiva ao Cidades e Minerais e abordou questões como diversificação econômica, exaustão mineral e gestão pública. Confira a entrevista na íntegra.

Como você se sente no setor público depois de tantos anos na iniciativa privada? Como é lidar com as situações, administração e gestão de setores tão diferentes?

Eu me sinto bem e muito otimista porque, realmente, são dois mundos muito diferentes. A iniciativa privada com sua dinâmica muito mais ágil naturalmente e a atividade pública que tem amarras sobretudo legais, que merecem um cuidado mais extraordinário e isso, muitas vezes, deixa o processo mais lento e menos digitalizado, menos processual. Então, são duas dinâmicas diferentes, mas é uma experiência muito interessante como gestão, seja de pessoas, de processos e, principalmente, resultados voltados para impacto social. É o que me trouxe, inclusive, para a gestão pública. Estou muito otimista. São dois anos e quatro meses de experiências à frente da prefeitura de Itabira que me trazem muita alegria pelos resultados que vimos até agora e, sobretudo, pelo envolvimento das pessoas. Eu vejo servidores públicos muito desacreditados e, nesse contexto em Itabira, vejo os servidores cada vez mais engajados nesse processo, nessa conscientização de que o seu papel de servidor público impacta a vida das pessoas. O seu ofício e sua utilidade na vida das pessoas é muito grande.
Hoje estamos perto de 3 mil servidores concursados, efetivos… Isso é como gerir uma grande empresa e, para isso, é claro, nós falamos de um serviço público pouco digitalizado, né?! Exige muito trabalho convencional, analógico, um sistema analógico e nós estamos procurando mudar isso para que este trabalho seja mais eficiente. Às vezes isso não depende só da capacitação e do treinamento dos servidores, nem da quantidade deles, mas, talvez, um pouco mais de tecnologia para ajudar muito na eficiência do serviço público a médio prazo.”

Como está o orçamento da prefeitura de Itabira e como você administra esse orçamento em relação aos investimentos?

O orçamento da prefeitura, hoje, é bom. Nós temos um orçamento que tem sido recorde em relação aos anos anteriores, perto de R$1 bilhão de receita por ano. Naturalmente, tem uma divisão constitucional como da educação e da saúde que absorvem algo perto da metade, pouco mais de 30% para o servidor público. Então o orçamento de maneira geral é praticamente comprometido com custeio que é realmente alto, mas a gente tem tido eficiência aqui. O mais importante é: o orçamento é muito fixado em determinados custos como educação e saúde, mas o impacto para a sociedade é que ele seja eficiente. A educação em Itabira infelizmente figurava quando nós assumimos a prefeitura com uma classificação de qualidade muito vergonhosa, até. Mais da metade dos municípios mineiros tinham a educação melhor do que Itabira, então, nós estamos fazendo uma virada, com o mesmo dinheiro, seja fisicamente nas escolas ou na estruturação pedagógica, na capacitação de profissionais e mais dignidade aos alunos para qualificar a educação. É a mesma coisa na saúde, nós estamos fazendo uma virada para tornar a saúde mais eficiente, os custos mais eficientes. Investir mais na primária, não esperar o nosso cidadão adoecer para que a gente seja mais eficiente e por aí vai. Tem investimentos em saneamento básico, Itabira é, infelizmente, uma cidade com menos de 50% da população com saneamento básico. Uma cidade tão importante, que arrecada tanto, precisa fazer também outra virada. Nós temos que buscar números perto de 100% de tratamento de esgoto na nossa cidade porque isso é saúde pública, são investimentos importantes.


Às vezes as pessoas me perguntam: qual é a grande obra deste mandato? Em uma prefeitura com tantos problemas sociais, com abismos na educação, na saúde, na assistência social onde nós temos quase 13% da população em situação de pobreza e extrema pobreza, o abandono das estradas rurais, saneamento básico muito atrasado, juventude sem esportes, sem capacitação profissional… Nós estamos fazendo investimentos recordes e inéditos em todo esse eixo humano, como podemos dizer, que é educação, saúde, saneamento, cultura, capacitação dos jovens para o mundo do trabalho… Nós estamos formando 60 jovens de baixa renda no empreendedorismo do SEBRAE, uma escola que eu ajudei a trazer para cá no início da década de 90 e que servia apenas à classe média e média alta que podia pagar, e a prefeitura hoje financia este conhecimento para alunos de baixa renda. Estamos abrindo, em breve, 500 vagas para o curso de programação e isso vai gerar conhecimento na área digital e garantir emprego para esses jovens. É mais arte, cultura e esporte para essa juventude. Com isso nós estamos preparando o futuro da cidade através da cidade através das pessoas também. Você prepara infraestrutura, investe em infraestrutura, mas também investe no ser humano, nesse eixo social para que Itabira seja uma cidade sustentável e solidária. Então, quanto melhor a receita de um município, exige-se mais do poder público melhorias e investimentos mais responsáveis.

Falando sobre o futuro e investimentos, existe uma máxima de que em uma década a Vale pode parar de gerar Cfem para o município e a arrecadação pode ter uma queda brusca. Como você encara isso e a relação de Itabira com a mineração?

A exaustão mineral é uma realidade, por mais que as pessoas não acreditem. ‘Ah! sempre disseram que o minério vai acabar em Itabira e isso nunca aconteceu’, mas vai acontecer. A Vale já anunciou isso para daqui 10 ou 20 anos na bolsa de valores de Nova York, onde ela tem ação e precisa mandar um relatório sobre sua realidade em cada território explorado e o de Itabira, explorado há 80 anos, é sem dúvida um território perto da exaustão mineral. A gente tem que se preocupar com isso sim, temos que trabalhar com isso e por isso. Nesse sentido, nós estamos desenvolvendo um projeto de diversificação econômica, finalmente, porque muito se falou em Itabira sobre diversificação, mas pouco se fez. Tanto é que 80 anos depois, Itabira ainda vive com 82% de sua economia em função de uma única empresa, a Vale, em função do minério, o que chamamos de minériodependência. Isso é muito perigoso para a cidade, é uma realidade que a gente pretende desenvolver um case para que outras Cidades e Minerais possam seguir para não terem esse problema no futuro. Itabira tem hoje um problema grave porque oito décadas depois, depois de mais de 2 bilhões e meio de toneladas de minério de ferro que pode-se calcular perto de dois trilhões de reais, a cidade tem 3% da população pobre e em extrema pobreza. Nós temos uma condição de uma juventude sem essperança, sem futuro, sem saber pra onde ir. Não sabem se vão trabalhar na Vale, que era o destino de todos os jovens na nossa cidade. Essa dúvida gera na nossa população problemas emocionais.


Itabira é uma cidade que não se preparou do ponto de vista da academia, nós temos a UNIFEI que está há 14 anos patinando, mas que nada foi feito com 2 mil alunos, é um campus universitário perdido no meio de um projeto ambicioso e que não se efetivou, o tão falado parque científico-tecnológico. Então nós estamos trabalhando nisso junto com a Vale, inclusive. Nós temos uma relação boa com a companhia, algo que temos buscado desde o primeiro momento. Eu acho que brigar com a Vale, ter tentativas mais agressivas com a companhia que hoje define a economia do nosso município é uma escolha, para mim, equivocada, porque no final, você não consegue avançar, você fica no tribunal. Tem questões para tribunal, questões judiciais que precisam ser discutidas? Tem e elas são legítimas. Para a própria Vale, ou seja, para o município, elas tem que ser de uma certa forma arbitradas pelo poder judiciário, por exemplo.

Mas a construção de uma cidade mineradora sustentável para sobreviver após o ciclo do minério tem que ser conjunta. Seja com a sociedade itabirana e suas lideranças, seja com a Vale que tem responsabilidades importantes neste tema. Nas últimas oito décadas foi um fracasso. Se eu fosse fazer um balanço, eu faria um balanço negativo de como foi esse relacionamento nos últimos 80 anos, como que o poder público e a sociedade civil e a companhia que explorou nosso minério se prepararam e desenvolveram este território… Então no final foi um fracasso, nada foi desenvolvido. 

Tudo foi feito automaticamente. A companhia explora a terra, exporta o minério, gera empregos, traz empregados de fora, paga bons salários, dá boas condições aos seus empregados, paga os impostos direitinho e automaticamente não houve uma preparação para que a gente construísse uma cidade verdadeiramente sustentável apesar de todas as marcas da mineração que são fortes, indeléveis e definitivas do ponto de vista ambiental, social, mas o econômico não ajudou muito. O econômico transformou a Vale em um império, uma das maiores mineradoras do planeta, mas a cidade de Itabira propriamente dita não tem futuro hoje, é uma cidade em dúvida, que vive em função da mineração e não sabe ainda o que fazer. Estamos tentando ajudar e criar políticas públicas que assegurem a formação dos nossos jovens, sobretudo, que Itabira seja uma cidade justa, sustentável, igualitária, solidária, inovadora para que nossas lideranças possam construir um ambiente no nosso município que assegure nossa sobrevivência depois do minério. É claro, a Vale tem uma conta muito grande a pagar  no nosso município e é isso que estamos conversando, é essa consciência que temos. Parte dela provavelmente pode ser jurídica porque nenhum executivo da Vale pode tomar a decisão de assinar um ‘checão’ para ajudar um município. É por isso que acontecem esses grandes acordos como em Mariana e Brumadinho e, quem sabe um dia, teremos um “Acordo Itabira”. Mas enquanto isso, é digno e bom para Itabira, para população, e para a Vale do ponto de vista de imagem e reputação, ela vai construindo conosco um case de  sustentabilidade que pode até amenizar muito no futuro qualquer tipo de necessidade de compensação se estivermos sobrevivendo bem e felizes na nossa cidade.

Sobre a “briga” das Cidades e Minerais com a ANM que possui uma estrutura muito arcaica, como você se vê nesse meio? Você está junto com a AMIG buscando a melhoria da ANM?

Essa é uma discussão muito importante no âmbito da AMIG, eu sou diretor da entidade e a discussão é, politicamente, fundamental. A ANM é realmente arcaica, ineficiente, deficitária e ela não se enquadra hoje nas necessidades dos novos tempos. A necessidade dos novos tempos é que a agência que vai regular a mineração seja, minimamente, estruturada para tal. Ela não tem estrutura para isso e não contribui com os municípios minerados que ficam à revelia do poder das grandes mineradoras, né?! Essa é a realidade sem uma agência reguladora com capacidade técnica, de investimentos e de estrutura para cumprir o seu papel eficientemente. Então essa é uma das nossas discussões em Brasília, uma discussão muito importante e fundamental.

Qual conselho você daria para a cidade e o prefeito de Conceição do Mato Dentro que está iniciando a mineração para que, no futuro, não aconteça o que aconteceu em Itabira?

Eu acho que o Zé Fernando já é um prefeito experiente, embora jovem. Além dessa experiência administrativa que ele traz, esse grande movimento da mineração em Conceição, que tem transformado, a mineração transforma o município inteiro e a sociedade inteira porque ela traz um movimento econômico muito grande. Eu sempre coloco Itabira, tenho colocado no âmbito da AMIG, onde o Zé Fernando é presidente, porque Itabira é um grande case para que os municípios entendam o que não pode ser feito. Depois de tantos anos de exploração mineral, é preciso que, durante o processo de produção, é preciso que as tecnologias sejam utilizadas, a gestão, os fundos sejam criados para que o município se prepare para o futuro. Já dizia Arthur Bernardes: “ O minério não dá duas safras” e não dá mesmo! Então todo município minerado precisa se preparar para o fim da produção mineral. É muito dramático isso porque a mineração quase sempre absorve outras potencialidades econômicas daquela região. Isso aconteceu em Itabira, a cidade deixou de ter duas fábricas de tecidos, outras vertentes industriais, a produção agrícola se esvaziou completamente porque a mineração absorve toda a mão de obra e todo interesse econômico. Toda a atividade econômica do município é direcionada para a mineração. Acho que não só o Zé Fernando que administra brilhantemente Conceição do Mato Dentro, e que já tem essa visão como presidente da AMIG, mas todos os municípios minerados devem fazer o mais difícil no momento mais certo, mais fácil. Essa frase não é minha, é do Churchill. O mais difícil é industrializar e diversificar a economia no momento em que tem recursos abundantes da mineração naquele município. Não espera acabar, não. Quando acabar pode ser dramático, um desastre econômico e social: pobreza e esvaziamento.

Existe a possibilidade de um novo projeto de mineração em Itabira? Podem ter novas outorgas para a região?

Essas informações cabe só à mineradora. São informações estratégicas que o poder público entra só no final, quando é necessário a aprovação de leis ou de projetos ambientais. Sobre as outorgas, para a região tem, mas para Itabira, até o que se sabe, não. Tem em Conceição, Morro do Pilar, Guanhães, desse território vizinho e aí há uma esperança de que o minério possa ser beneficiado em Itabira que, pelo menos, irá prestar esse serviço no futuro ainda que não tenho exploração, que não tenha os royalties do minério e ainda que perca arrecadação como atividade mineradora, mas tem uma atividade de serviço aqui utilizando suas usinas que podem continuar. Isso é importante também na geração de empregos, nesse tipo de conhecimento, pesquisa e desenvolvimento. Mas o nível de informação é realmente baixo, as empresas quase sempre não compartilham isso antecipadamente com o poder público.

 

 

 

 

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