Nesta quinta-feira, 25 de janeiro, são completados exatos cinco anos da tragédia de Brumadinho, um dos maiores crimes ambientais e sociais da história da humanidade. O rompimento da barragem da Mina do Córrego do Feijão, em 2019, tirou a vida de 272 pessoas e deixou um rastro de destruição na Bacia do Rio Paraopeba, afetando a qualidade de vida da população de dezenas de municípios.
Apesar do anseio da sociedade e das contundentes provas coletadas no inquérito que investiga os responsáveis pelo rompimento da barragem – as Polícias Civil de Minas Gerais e Federal concluíram que a Vale mentiu para os funcionários que morreram, antes do rompimento da barragem – ninguém foi condenado. Cinco anos depois, entidades que representam as vítimas reclamam que “o cheiro de impunidade e de injustiça paira no ar”.
À época, a Vale era presidida por Fabio Schvartsman. Ele tenta provar na Justiça que não tem responsabilidade criminal pela morte dos trabalhadores da empresa na tragédia. Boa parte deles almoçava em um restaurante na área da mina no momento do rompimento da barragem. No último dia 24 de dezembro, a Prefeitura de Brumadinho divulgou uma nota de apelo ao Tribunal Regional Federal (TRF), instância onde o pedido tramita, para que não seja concedido habeas corpus ao ex-presidente da mineradora. A nota classifica o episódio ocorrido em 2019 como “crime bárbaro”.
O relator do processo, o desembargador Flávio Boson Gambogi, votou a favor do fim da denúncia feita pelo Ministério Público Federal (MPF), favorecendo o réu, mas o julgamento foi suspenso após o desembargador Pedro Felipe de Oliveira Santos pedir vistas para analisar toda a documentação.
“A análise atenta dos argumentos aqui discutidos evidencia a complexidade e a sensibilidade da causa que temos aqui hoje. Este é um caso, assim como qualquer outro, e ao mesmo tempo mais do que qualquer outro, que não se admite erro”, declarou Oliveira Santos durante a sessão.
Além de Fabio Schvartsman, que alega inocência por meio de sua defesa, tanto a Vale S.A, responsável pela mina, quanto a empresa TÜV SÜD, subsidiária alemã que certificou a segurança da barragem, ainda não sofreram condenações. As empresas e mais 16 pessoas foram denunciadas pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e pelo MPF por omissão perante o conhecimento dos riscos de a estrutura se romper. Na plataforma Change.org, um abaixo assinado cobra o fim da impunidade.
Vítimas da tragédia de Brumadinho lutam na Justiça
Em fevereiro de 2021 foi firmado um Acordo de Reparação entre a Vale, o Governo de Minas e órgãos do Judiciário, mediado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG). A medida visa assegurar a reparação dos danos coletivos, prevendo ações de impacto socioeconômicos, de recuperação socioambiental e de segurança hídrica. Dezenas de projetos estão sendo desenvolvidos nas cidades impactadas pela contaminação do Rio Paropeba com rejeitos. Os projetos contemplam melhorias dos serviços públicos, obras de mobilidade urbana, entre outras.
Enquanto as medidas de reparação são negociadas e executadas, mais de 23 mil atingidos pelo rompimento da barragem fecharam acordos de indenização com a mineradora, de acordo com o MPMG, considerando o balanço dos três anos de implementação do Acordo de Reparação. Simultaneamente, partes optaram por manter as discussões das indenizações individuais em paralelo às negociações judiciais e extrajudiciais que estavam em curso. Em parte dessas tratativas, os atingidos foram acompanhados pela Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG).
Em abril de 2019, DPMG e Vale assinaram um termo de compromisso definindo os procedimentos que viabilizaram as negociações individuais. Por meio do termo foram gerados, até dezembro, 20.806 acordos que movimentaram R$ 1,3 bilhão. Há também indenizações trabalhistas, já que mais de 90% dos funcionários mortos na tragédia estavam trabalhando na mina como empregados da Vale ou de empresas.
Em julho de 2019, a mineradora e o Ministério Público do Trabalho (MPT) formalizaram um acordo para o pagamento das indenizações aos familiares dos trabalhadores, tanto os que morreram quanto os sobreviventes. A partir de então, foram firmados 2.509 acordos que movimentaram R$ 1,2 bilhão.
Conforme divulgado pela Vale, desde 2019, mais de 15,4 mil pessoas fecharam acordos de indenização. “A Vale reafirma seu profundo respeito às famílias impactadas pelo rompimento da barragem e segue comprometida com a reparação de Brumadinho, priorizando as pessoas, as comunidades impactadas e o meio ambiente”, diz a mineradora, em nota.
Porém, existe divergência entre os números apresentados pela Vale e os divulgados pela Defensoria Pública e pelo MPT, possivelmente, pelo fato de alguns atingidos terem direito a mais de um acordo (como ocorre, por exemplo, no caso daqueles que perderam parentes e sofreram outros impactos). Há divergência também quanto às cifras envolvidas, com a Vale alegando ter destinado R$ 3,5 bilhões em indenizações.
Em entrevista à Agência Brasil, a engenheira civil Josiane Melo, membro da Associação dos Familiares das Vítimas e Atingidos pelo Rompimento da Barragem em Brumadinho (Avabrum), o processo indenizatório foi “atropelado”. A entidade considera que não houve negociação, porque os requerentes eram obrigados a aceitar ou recusar a oferta da mineradora.
Josiane perdeu a irmã Eliane Melo na tragédia, grávida de cinco meses. “Até teve uma escuta, mas não havia espaço para argumentos. E foi tudo muito em cima do acontecido. A gente ainda estava com 197 pessoas não encontradas, em meio ao caos, e as reuniões sobre as indenizações já tinham começado”, conta a engenheira.
Conforme a entidade, algumas pessoas preferiram buscar a indenização de forma individual, recorrendo a advogados particulares, tanto na Justiça do Trabalho como na Justiça comum, percorrendo um caminho mais demorado para obter resultados semelhantes.
A Avabrum também critica a discrepância entre os recursos destinados às indenizações e os valores anualmente distribuídos como lucros e dividendos. Somente no último ano, a Vale pagou cerca de R$ 28,9 bilhões em proventos aos seus acionistas.
TJMG reduz valor de indenizações
Conforme dados de um estudo obtido com exclusividade pela Repórter Brasil – recém-publicado pelo Núcleo de Assessoria às Comunidades Atingidas por Barragens (Nacab), uma das organizações não governamentais designadas pelas próprias comunidades para fazer a assessoria técnica na região do Rio Paraopeba – dos 319 processos julgados entre janeiro de 2019 e março de 2023 por 11 câmaras cíveis do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG), 75% das decisões foram desfavoráveis aos atingidos.
Uma reportagem sobre o assunto foi publicada pela Carta Capital. O TJMG respondeu, em nota ao veículo, que juízes e desembargadores têm autonomia para tomar as decisões nos processos que julgam, “segundo as particularidades de cada ação judicial e o preenchimento dos requisitos legais”.