Em decorrência de uma ação civil pública movida pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) em 2020, a mineradora Anglo American assinou, no final de novembro, um acordo que estabelece parâmetros para o processo de reassentamento das comunidades de Água Quente, Passa Sete e São José do Jassém, além de outros núcleos familiares localizados na Zona de Autossalvamento (ZAS) da barragem de rejeitos do Minas-Rio, nos municípios de Alvorada de Minas e Conceição do Mato Dentro, no Médio Espinhaço.
A mineradora trata a iniciativa como “pioneira para o setor minerário”, já que ela será realizada de forma planejada e desvinculada de quaisquer incidentes. O acordo abrange cerca de 400 famílias residentes nas localidades afetadas.
“O compromisso define os critérios e as diretrizes para a realização do reassentamento, tanto coletivo quanto individual, incluindo aquisição de terras, indenizações, além de compensações associadas à realocação das pessoas. Ele também contempla aportes para a reestruturação dos meios produtivos e o desenvolvimento social e territorial das comunidades abrangidas. Este compromisso representa o investimento de aproximadamente R$ 900 milhões por parte da Anglo American, a serem executados ao longo da implantação do reassentamento”, esclarece a companhia.
De acordo com a Anglo American, o processo culminou em mais de 120 reuniões realizadas desde 2023, com a participação de dos membros das comunidades; do comitê representativo de reassentamento das comunidades; do MPMG, representado pela Coordenadoria do Centro de Apoio Operacional de Apoio Comunitário, Inclusão e Mobilização Sociais(CAO-Cimos); das prefeituras de Conceição do Mato Dentro e de Alvorada de Minas; e da Assessoria Técnica Independente (ATI-39) Nacab, além dos representantes da empresa.
O processo também contou com o apoio do Centro de Autocomposição de Conflitos e Segurança Jurídica do MPMG (Compor) em reuniões de mediação; da Advocacia-Geral do Estado de Minas Gerais (AGE-MG); e da Fundação Estadual de Meio Ambiente (Feam), com o objetivo de garantir ampla representatividade, transparência e segurança técnica, jurídica e social nas tratativas.
“Da forma como foi construído, além de proporcionar o direito de participação das comunidades, o acordo garante os direitos humanos fundamentais individuais e coletivos das pessoas. A negociação, pioneira no Brasil, atende à Lei Estadual nº 23.291/2019 (Política Estadual de Segurança de Barragens) e à Lei Federal nº 14.755/2023 (Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens), bem como às demais legislações relativas à mineração”, afirma a mineradora.
O acordo
Ainda pendente de homologação judicial, o acordo estabelece entre as principais responsabilidades da Anglo American viabilizar o reassentamento das famílias elegíveis, “garantindo a melhoria nas condições de vida e respeitando aspectos culturais e sociais das comunidades”. A tratativa prevê, ainda, medidas de assistência psicossocial, compensações financeiras e convênios com o poder público para reposição e aprimoramento de serviços essenciais, como saúde, educação e saneamento básico.
A promotora de Justiça Camila Aparecida Pires, coordenadora regional do Centro de Apoio Operacional de Apoio Comunitário, Inclusão e Mobilização Sociais (CAO-Cimos), destaca o objetivo do acordo: “assegurar os direitos das comunidades atingidas pelo empreendimento da Anglo American. O resultado hoje alcançado decorre de um trabalho construído com a ampla participação de todas as partes, em especial das comunidades atingidas”.
Participando da mediação e do acordo como intervenientes, os municípios de Conceição do Mato Dentro e Alvorada de Minas se comprometeram a colaborar com os procedimentos necessários ao reassentamento.
“O plano de reassentamento para as comunidades de Água Quente, Passa Sete e São José do Jassém, bem como outros núcleos familiares localizados a jusante da barragem do Minas-Rio, será implementado também em alinhamento às exigências das políticas de desenvolvimento territorial dos municípios envolvidos, dos padrões de desempenho da International Finance Corporation (IFC), e das políticas sociais da Anglo American”, diz o diretor de Assuntos Corporativos e Sustentabilidade de Anglo American no Brasil, Ivan Simões.
Conforme divulgado pela mineradora, a mudança das famílias para os reassentamentos coletivos está programada para ocorrer até o final de 2028. A empresa informou que, para fortalecer o controle social nas etapas de pré-reassentamento, durante a transição e no período pós-reassentamento, será criado um comitê de monitoramento que contará com a participação das comunidades envolvidas, da Anglo American e das demais instituições públicas. O objetivo é assegurar a participação e o acompanhamento contínuo em todas as fases do processo. O Ministério Público será convidado permanente, com direito à voz, mas sem direito a voto, segundo a mineradora.
“Aprovado em assembleia pelas comunidades, o acordo é resultado de um diálogo aberto e transparente entre todas as partes envolvidas. Estabelecemos, em conjunto, os princípios para desenvolver, de forma participativa, um plano que respeita as características de cada família, considerando suas relações sociais, culturais e com o território. Pela forma como foi conduzido, envolvendo diretamente a comunidade, o poder público local e estadual, este trabalho é inédito em nosso país”, avalia Simões.
“Com esse acordo, conseguimos vencer uma luta de comunidades que buscam o direito ao reassentamento em condições justas há mais de dez anos. Trata-se de uma vitória para os atingidos por barragens, por consistir em acordo produzido com sua ampla e direta participação, os quais estiveram ao lado do Ministério Público ao longo de todo o processo de construção de consenso. Enfim, um ato que assegurará às comunidades atingidas uma efetiva e necessária reparação pelos danos sofridos, notadamente pela qualidade de vida perdida com a construção da barragem de rejeitos no passado”, afirma o promotor de Justiça de Conceição do Mato Dentro, Caio Dezontini Bernardes.
Perdas provocadas pelo medo
Acompanhando o processo durante todo o ano, o escritório MM Advocacia Minerária, coordenado pelas sócias-fundadoras Mariana Santos e Márcia Itaborahy, chama a atenção para a importância das comunidades alvo do acordo no contexto de seus municípios de origem. As advogadas questionam o acordo quanto à sua abrangência em relação a todas as pessoas que efetivamente são afetadas pelo empreendimento da Anglo American.
“Essas comunidades são centenárias e suas relações se forjaram ao longo de várias décadas e movimentos de pessoas, formando interesses, vínculos enraizados e de todas as formas, como familiares, pessoais, de trabalho e de comércio. Uma trama social que se formou naturalmente e que se extingue de forma abrupta, impositiva, com resultados futuros imprevistos, danosos sob vários aspectos, mas, principalmente, isolamento social e perdas patrimoniais relevantes para quem permanece na região. A empresa formulou proposta de reassentamento exclusivamente dos imóveis que se encontram na Zona de Auto Salvamento, deixando de atender àqueles que serão profundamente prejudicados com a retirada dos núcleos das comunidades: perdas de tradições e de referências, perda de amigos da vida toda, perdas de mercado, expectativas frustradas, modos de vida profundamente alterados, desvalorização dos imóveis e das produções da região”, considera a MM Advocacia Minerária.
Para as advogadas, atuantes no assessoramento de pessoas atingidas pelo empreendimento Minas-Rio, o medo fez a comunidade ceder e deixar de reivindicar todos os seus direitos, afetando sua história e relações familiares e sociais. “Para quem fica, a incerteza, a insegurança, a sensação de perda inestimável, irrecuperável. Os problemas para quem sai e para quem fica já se vislumbram no horizonte, como nuvens carregadas. Esse é um histórico de atingidos por barragens de mineração no Brasil. Escolher entre uma opção ruim e uma pior. Poucos, bem poucos mesmo, se beneficiarão. A maioria já perdeu”, criticam.