Licença Social para Operar – Um consentimento legítimo

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Ninguém poderá chegar na sua casa e, sem sua autorização, sequer modificar a mobília do lugar. Menos ainda, modificar a estrutura, tomar posse ou demolir seu imóvel, deixando você e sua família ao relento. Essa é uma imagem forte!

Há muitos anos, ouvia-se um ditado: “Na minha casa, entra a doença e a saúde, entra a tristeza e a alegria. Mas não entra o Rei da Inglaterra”.

Isso quer dizer, evidentemente, que circunstâncias alheias à vontade, emoções e sentimentos transcendem a autorização. Mas alguém que chega e se instala, ainda que detenha algum direito de ali se instalar, há que ter consentimento, em algum momento, de quem lá já está.

Este é um movimento espontâneo e legítimo, que decorre de quem tem consciência de si e de seu lugar. A consciência é sempre legítima, mas não é espontânea. Via de regra, se constrói, é um processo de constante construção (Freud). Mas, desenvolvendo-se a consciência, o movimento de pertencimento se aperfeiçoa. É um estado de consciência de si, de sua história e de sua dignidade. É uma construção social, cultural.

A autorização para que o estrangeiro se “achegue” é resultado legítimo dessa evolução de consciência.

Ampliando-se esse espectro para os temas ligados à mineração e seus contornos, tem-se visto o crescimento, em todo o mundo, de uma consciência social de que um empreendimento que deseje se instalar, nos entornos de determinado lugar, deve pedir licença para entrar. Quer entrar em casa? Bata na porta e aguarde que o dono lhe permita a entrada.

Em um raciocínio simples, isso é a Licença Social para Operar (LSO). Um conceito de fácil percepção, mas de complexa implementação.

A ideia de licença social começou a ser debatida, no Canadá, pelos anos 90, em razão dos conflitos que surgiam com a expansão da mineração no país. O conceito se desenvolveu e, em 1997, em reunião do setor minerário, em Washington, Jim Cooney, da empresa mineradora canadense Placer Dome, propôs: é necessário que a indústria atue de forma positiva, recuperando sua reputação, obtendo a licença social para operar, através de um processo que crie, com o tempo, uma cultura e um perfil públicos para os empreendimentos minerários.

A difusão do conceito teve boa aceitação e a ideia tem-se ampliado, paulatinamente, pelo mundo: sendo de significativos e notórios impactos, a mineração produziu, no mundo, vários estudos sobre a licença social, mas evidencia-se que a grande maioria de tais estudos está em países desenvolvidos, principalmente Canadá e Austrália, com realidades muitíssimo diversas das vivenciadas por países em desenvolvimento, como o Brasil.

Aqui, via de regra, as comunidades brasileiras geralmente impactadas pela mineração apresentam grande vulnerabilidade social, baixo envolvimento e baixa diversificação econômica, não se conseguindo que o desenvolvimento econômico trazido pela indústria deixe de ser o principal foco, senão o único, de avaliação pelo corpo social.  Pelo menos, num primeiro momento.

Não se tem fora da mira que a atividade minerária, para se instalar, enfrenta diversas obrigações. Importantíssimo anotar que há várias licenças ambientais, guias, alvarás, registros, várias formalidades legalmente previstas, obrigações a serem cumpridas pelo empreendimento. Obrigações pesadas, burocráticas e caras.

Mas é a Licença Social para Operar, essa permissão social, que reflete a consciência de que apenas a atenção às obrigações legais é, na maioria das vezes, incapaz de solucionar todas as expectativas da sociedade. A LSO corresponde à parte necessária, porém intangível, do contrato realizado entre uma empresa e a sociedade ou grupo social, que irá permitir e manter, efetiva e pacificamente, a operação e o bom desempenho do negócio.

Há que se avaliar a legitimidade econômica, cujo viés se analisa pelos benefícios econômicos trazidos pelo empreendimento. Mas, igualmente, a legitimidade sociopolítica, que avalia sob quais pontos o bem-estar da população será respeitado e protegido, e como serão alcançadas as expectativas da comunidade. O diálogo entre as partes envolvidas há que ser, necessária e constantemente, fomentado, promovendo, ao final, a confiança mútua, com o desenvolvimento da concepção de que a reciprocidade nas relações perdurará.

Em interessante artigo de Porter e Krame, em estudo pela Universidade de Harvard (Creating Shared Value – Article – Faculty & Research – Harvard Business School. https://www.hbs.edu/faculty/Pages/item.aspx?num=39071), denominado “Criando Valor Compartilhado” (tradução livre), trabalha-se o conceito, desenvolvendo a ideia de que as empresas não podem permanecer presas a uma abordagem ultrapassada de busca exclusiva do lucro. Se as maiores necessidades do mercado não são atendidas, o sucesso a longo prazo se torna prejudicado.

Para o estudo, a criação de um “valor compartilhado”, formado entre a empresa e seus stakeholders, poderá reconectar a empresa com o progresso social. É a formação da respeitabilidade e sustentabilidade do relacionamento. E não a imposição e subjugo de um sobre o outro.

O valor compartilhado, com redefinição do mercado e construção de uma rede geral de apoio, poderá remodelar o desenvolvimento econômico pretendido. Parece realmente necessário e urgente que tal estado de coisas se dê, no mundo moderno.

Tais alterações de conduta exigem alterações de olhares, premissas e objetivos, de todas as partes envolvidas no processo de pesquisa, implementação e desenvolvimento negocial.

Para a comunidade, que recebe o empreendimento, o ganho está no desenvolvimento da relação, enquanto esta perdurar, no alcance de um bem-estar promovido pelo desenvolvimento econômico proporcionado, mas também se estenderá para além da própria permanência da empresa. Finda a exploração minerária, a comunidade terá meios de a ela sobreviver, mantendo sua evolução e tradição, sem cair num abismo de abandono, obscuridade e desamparo.

Para o empreendimento, o respeito que poderá adquirir, a reputação que poderá alcançar, o desenvolvimento pacífico obtido, transcenderá o momento de sua estadia no local, refletindo, positivamente, no mercado e no mundo.

São escolhas. Para entrar na sua casa e ter com você uma boa convivência, o estrangeiro tem que bater na porta e aguardar que ela lhe seja aberta, com sincero e legítimo voto de boas-vindas.

Márcia Itaborahy e Mariana Santos

MM Advocacia Minerária

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