Brumadinho e a mudança de paradigmas – Uma visão social

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No dia 25 de janeiro de 2019, para espanto de todo o planeta, ocorreu em Brumadinho, Minas Gerais, um dos maiores desastres ambientais da mineração, com 267 mortos e três desaparecidos (até os dias de hoje): rompeu-se a Barragem da Minas do Córrego do Feijão, até então classificada, pela própria empresa, Vale S.A, como de baixo risco, apesar do alto potencial de dano.

A tragédia fez com que o Brasil fosse protagonista do maior acidente com número de mortes, envolvendo mineração, em todo o mundo: a Mina do Córrego do Feijão continha sete barragens, produzia mais de oito milhões de toneladas de minério de ferro, ao ano, fazendo parte do Complexo do Paraopeba, com outras diversas instalações minerárias de grandes portes e potencial perigo.

Neste ponto do complexo, na Mina do Córrego do Feijão, havia, além da barragem e dos locais de extração, várias estruturas administrativas e de apoio, com centros de convivência, refeitórios e oficinas de manutenção, terminais para carregamento do minério produzido e malha ferroviária com larga movimentação diária de pessoas, utilizada para o escoamento dos produtos extraídos. Milhares de pessoas transitavam, diariamente, pelo ambiente, sendo que poucos se atentavam para a instabilidade da barragem, situação somente constatada após o desastre.

No dia 25 de janeiro de 2019, perto do horário do almoço, a barragem de rejeitos de minério da Mineradora Vale S.A rompeu, vazando doze milhões de metros cúbicos de lama tóxica, que atingiram o centro administrativo da mineradora, a comunidade vila Ferteco e todas as casas da região rural de Brumadinho. Deixou dezenas de desabrigados, além das vítimas fatais, famílias enlutadas, trabalhadores sem seus companheiros, danos sociais irreparáveis e danos ambientais de grandes proporções.

A barragem, construída a montante, ficava acima das demais estruturas, e o leito de seu vazamento se estendeu, rapidamente, por toda a região do vale abaixo.

A partir desta tragédia, ações governamentais foram adotadas, medidas de contenção por parte das empresas mineradoras, maiores cuidados com as formas de depositarem seus rejeitos, alteração legislativa.

Várias ações judiciais indenizatórias foram movidas, acordos foram rapidamente providenciados, justos ou injustos, a história dirá.

Em meio a tudo isso, uma estatística devastadora: foi o maior acidente de trabalho, de todos os tempos, no Brasil, em perda de vidas humanas.

As condições do ambiente de trabalho e a dignidade das pessoas, nesse ambiente e nas relações trabalhistas, fazem parte dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – ODS, preconizados pela ONU, e orientadores das decisões empresariais, como meios de promover maior justiça social, melhores condições de vida e desenvolvimento justo e sem discriminações, para as sociedades, no mundo moderno. Os acordos no mundo e nos mercados têm valorizado tais diretrizes e as tem imposto como condicionante de negociação. Como ideia, como meta, pelo menos, é o que prevalece.

O ambiente de trabalho é, sem dúvida, um dos componentes do meio ambiente, propriamente dito, e este ambiente seguro e digno, tomado sistemicamente, é orientador dos ODS, que pretendem a construção de um caminho sustentável para o desenvolvimento a partir das dimensões sociais, ambientais, econômicas e institucionais (governança).

Assim, está totalmente contrário ao que se propõe, no âmbito da sustentabilidade, uma situação de risco, iminente ou não, aos trabalhadores, em ambiente instável e sujeito a causar danos graves aos que ali laboram. Muito mais, evidentemente, as condições de risco tais que geram, efetivamente, a morte ou danos físicos e mentais aos colaboradores.

Neste sentido, tendo sido um devastador caso de acidente de trabalho, e em razão dos evidentes danos causados pelo trágico acontecimento vivenciado por muitos, na cidade de Brumadinho, com todos os desdobramentos inevitavelmente observados, viu-se um grande impacto na Justiça do Trabalho de Minas Gerais.

As ações indenizatórias abordaram as dores sofridas pelos familiares que perderam seus entes queridos, de uma forma tão avessa ao razoável e ao previsível. Foram propostas, no âmbito da Justiça do Trabalho, diversas ações de indenização por danos morais, compensando a dor da morte do familiar ou ente querido, do pânico, do desamparo, e outras tantas dores sofridas pelas pessoas, trabalhadores e seus familiares, que vivenciaram, de algum modo, aqueles fatídicos dias.

Foram propostas, também, indenizações por danos materiais, ou seja, as perdas efetivas ou projetadas, de caráter patrimonial, enfrentadas com a tragédia, pelos trabalhadores da empresa e pelos terceirizados.

As ações indenizatórias, em geral, propostas por familiares das vítimas que vem à óbito, visam ao ressarcimento do dano moral, regularmente chamado, no meio jurídico de dano moral por ricochete, ou dano moral ou reflexo, ou seja: o trabalhador sofreu o dano diretamente, por ilícito do empregador, mas os efeitos desse prejuízo refletem em sua família ou amigos ou outros entes queridos (dependendo do grau de afetividade), que sofrem com a lesão aos direitos da personalidade do ofendido, em razão dos laços que os unem.

Fácil compreender que o familiar do trabalhador que sofreu lesões ou morreu em decorrência da tragédia de Brumadinho tem direito a ver-se ressarcido pelo dano que acabou chegando a ele, reflexamente. A perda da pessoa, a saudade, a falta que faz.

Por muito tempo, em caso de morte de operário, o dano somente poderia ser ressarcido ao familiar, por esta via do dano moral por ricochete.

Porém, o caso Brumadinho é tão importante para a história do país, por tantos aspectos que pode ser avaliado, estudado, que acaba por alterar os paradigmas de apreciação dos resultados dele decorrentes tanto quanto acaba por alterar a própria forma como as relações entre os agentes ligados à mineração. E pode se ampliar para várias outras relações sociais.

A dor extrema e a dignidade humana

Em 20 de junho deste ano, a corte superior trabalhista chancelou a modalidade importantíssima de ressarcimento de dano moral: o dano-morte. Muitas outras visões das ações indenizatórias decorrerão desse julgado, substancialmente fundamentado, verdadeira lição. O choque pelo evento morte, em si, de um familiar ou ente querido nunca teve a atenção dos tribunais brasileiros, e não faz parte da nossa legislação.

Para Nelson Rosenvald, que aborda o tema, com o brilho de sempre, “o dano morte é um dano a um bem supremo do indivíduo, objeto de um direito absoluto e inviolável garantido primariamente pelo ordenamento jurídico, prescindindo da consciência do lesado sobre a sua morte. Ou seja, tanto faz se o fato ilícito acarretou a morte instantaneamente, ou a vítima sobreviveu por tempo suficiente para pressentir a inexorável chegada da morte.”

A morte é evento que faz parte da vida, mas a dor extrema de uma morte sob tragédia, sob violência ou sob um fato ilícito, é sobremaneira aterrorizante, chocante, toma o sujeito, que fica, de um impacto estarrecedor. No caso do dano-morte, não se trata da perda daquele que se foi, mas da dor do falecido no momento de sua morte, em razão da forma como tal fato se deu. Este é o dano-morte indenizável.

Em um dos julgamentos do caso Brumadinho, no dia 20 de junho, sobre a indenização aos familiares de trabalhadores, ficou configurada a obrigação de serem indenizados pelo dano-morte dos falecidos. O fundamento da decisão se fez sobre a dignidade da pessoa humana, considerando essa dignidade como um fim em si mesma, como centro de gravidade do ordenamento jurídico do Estado Democrático, em análise moral e ética do direito, das normas e princípios. Neste viés, o direito à vida – vida digna – se posiciona no topo de todos os demais.

O direito se orienta, no caso das ações indenizatórias, pelo princípio da reparação integral do dano, segundo o qual, devem ser reparados todos os danos causados por determinado fato, e tal reparação deve ser a mais integral possível.

Quanto à morte, a legislação brasileira dispõe que não se transmitem os direitos da personalidade, porém, prevê, de outro lado, a possibilidade de proteção e reparação da tutela dos direitos da personalidade, para além da vida dessa vítima. E o direito de exigir essa proteção e reparação transmite-se como crédito aos sucessores.

É possível compreender que, no momento da lesão, a vítima estava viva e, neste momento, teve seu direito violado, e a proteção a que fazia jus, naquele momento, e o direito à reparação, naquele momento, transmite-se, como crédito aos seus sucessores.

A decisão proferida, pelo TST, corroborou o entendimento de que “o direito à indenização pelo dano-morte (pretium mortis), autônomo e distinto dos prejuízos de afeição sofridos pelos herdeiros ou familiares do de cujus, decorrente da lesão a esse bem jurídico maior que é a vida, independe de a morte ter sido ou não instantânea, uma vez que a proteção jurídica se refere à existência da pessoa humana, afigurando-se, portanto, irrelevantes juridicamente, para o reconhecimento do direito à reparação a tal título, discussões sobre a ocorrência ou não de eventual sofrimento que precedera ao falecimento das vítimas.”

Veja-se a importante alteração de entendimento, a reanálise ampliada das demandas que envolvem o ressarcimento pelos danos, especialmente, os morais. Fatos como os vividos pelos brasileiros, diante de Brumadinho, tornam incessantes as buscas pela ampliação dos direitos com foco na dignidade da pessoa humana, com a máxima proteção dos direitos humanos e fundamentais.

Também, do ponto de vista das relações trabalhistas, das melhores práticas para o alcance do saudável ambiente de trabalho, as práticas devem caminhar para fazerem valer os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – ODS.

Uma significativa e sistêmica mudança de análise dos valores humanos.

 

Mariana Santos e Márcia Itaborahy

MM Advocacia Minerária

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