A MINERAÇÃO E A SAÚDE MENTAL DO TRABALHADOR

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A saúde mental dos trabalhadores na mineração emerge hoje como um tema que exige atenção urgente e aprofundada, especialmente em virtude dos riscos psicossociais e dos desafios inerentes a ambientes de trabalho muitas vezes inóspitos, isolados e altamente competitivos.

Na indústria extrativa, a pressão por produtividade, somada à exposição a perigos físicos e às demandas emocionais intensas, pode desencadear uma série de transtornos psicológicos que afetam tanto o indivíduo quanto o coletivo.

Essa realidade não se restringe às fronteiras brasileiras, pois em diferentes regiões do mundo – África, Ásia e outros países da América Latina – o cenário de vulnerabilidade mental dos profissionais de mina segue um padrão alarmante: jornadas extenuantes, longos períodos afastados da família, riscos de acidentes graves e, frequentemente, falta de acesso a assistência especializada. Esses elementos criam um caldo de cultura em que o estresse crônico, a ansiedade, a depressão, o burnout e até o estresse pós-traumático se tornam mais frequentes do que se imagina, indo até mesmo além do bem-estar dos empregados: pode comprometer a eficiência e a sustentabilidade das próprias operações mineradoras.

No Brasil, a relevância da mineração para o Produto Interno Bruto e para a economia de diversas regiões intensifica o debate sobre a obrigação de se estruturarem programas de cuidado integral, inclusive no que diz respeito à saúde mental. O país carrega experiências dolorosas, como o rompimento de barragens em Minas Gerais nos últimos anos, que deixaram marcas profundas nos trabalhadores diretamente envolvidos na extração mineral.

O trauma advindo dessas tragédias ultrapassou questões físicas e preocupações concretas dos trabalhadores de mina, atingindo de forma contundente a sua esfera psicológica: sobreviventes que perderam colegas de trabalho, familiares e comunidades inteiras se viram em situações de luto coletivo, ansiedade permanente e insônia; e isso, naturalmente, impacta o ambiente laboral por muito tempo após o evento, gerando um ambiente de medo, tensão e desconfiança.

Porém, mesmo em situações sem grandes desastres ambientais, o simples exercício rotineiro da atividade mineradora pode causar sobrecarga emocional significativa. A exposição prolongada a ruído, calor, umidade, risco de explosões e soterramentos agrava o estado de alerta constante do trabalhador, que, ao final do dia, tem dificuldade de se desconectar do temor de possíveis incidentes. Some-se a isso a pressão da hierarquia empresarial em alcançar metas de produção cada vez maiores e o medo de perder o emprego em um mercado volátil, que oscila conforme as cotações internacionais dos minérios.

A atenção voltada à saúde mental dos trabalhadores se conecta diretamente ao Objetivo de Desenvolvimento Sustentável de número 8 – ODS8, o qual propõe a promoção de trabalho decente e crescimento econômico.

Não há trabalho decente em um local que ignora aspectos psicológicos ou que não ofereça mecanismos de prevenção de sofrimentos mentais relacionados à ocupação.

Esse objetivo da Agenda 2030 da ONU ganha especial importância em setores de alto risco e alta criticidade, como a mineração, pois o compromisso de fomentar ambientes de trabalho seguros e saudáveis não pode se limitar a providências contra acidentes físicos ou a treinamentos de operação de máquinas e equipamentos.

É imperativo que se desenvolvam ações contínuas para a avaliação e mitigação de riscos psicossociais, investindo em programas de apoio e acolhimento para trabalhadores que estejam em situação de desgaste emocional. Dessa forma, amplia-se a noção de responsabilidade corporativa e social para abranger, sim, o controle de poeira, de ruídos e de outros agentes químicos ou biológicos – condições técnicas e objetivas, mas visa também o controle de fatores subjetivos que, de maneira igualmente grave, podem comprometer vidas e carreiras.

No campo legal e normativo, o Brasil possui um conjunto de Normas Regulamentadoras que regem a segurança e a saúde no trabalho, muitas das quais incidem diretamente ou de forma complementar sobre a mineração.

A NR-01 exige que as empresas elaborem e mantenham documentos de gestão de riscos e programas de gerenciamento de riscos à disposição para fiscalização. Esses documentos devem ser elaborados e estar disponíveis para a fiscalização quando solicitados, seja pela Inspeção do Trabalho, seja pela representação dos trabalhadores ou outros atores que atuam na fiscalização de segurança do trabalho. O teto dessa norma sofreu alteração para inclusão dos riscos psicossociais, entrando em vigor a partir de maio próximo, com exigência de que as empresas passem à inclusão das prevenções desses riscos. Evidencia-se sua importância, sua relevância para o mercado e traz luz a distúrbios cada vez mais frequentes entre os trabalhadores brasileiros.

A NR 7 (Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional) prevê o acompanhamento clínico dos trabalhadores ao longo de sua vida laboral, possibilitando, em tese, a inclusão de avaliações psicológicas periódicas, embora isso não ocorra de forma padronizada em todas as empresas. Exames meramente formais resultam em problemas incontornáveis no futuro, do ponto de vista do psiquismo do trabalhador.

A NR 9 (Programa de Prevenção de Riscos Ambientais) trata da identificação e controle de riscos presentes no ambiente de trabalho, apontando o caminho para que fatores psicossociais sejam também mensurados e, consequentemente, geridos.

Entretanto, é a NR 22 que se dedica especificamente à mineração, contendo disposições sobre ventilação, iluminação, prevenção de explosões, sistemas de emergência e demais variáveis ligadas às condições de trabalho em minas, tanto subterrâneas quanto a céu aberto. Apesar de não ter um capítulo exclusivo para saúde mental, a NR 22 pode ser atualizada ou interpretada à luz das obrigações gerais de cuidado com a vida e a integridade do trabalhador, abrindo margem para que gestores passem a incluir programas estruturados de promoção de saúde mental em seus planejamentos de segurança.

A evolução das discussões no Ministério do Trabalho e em outras instâncias governamentais indica que há um movimento crescente de reconhecimento da importância dos riscos psicossociais, o que se reflete, por exemplo, na possibilidade de inclusão formal desses riscos em programas como o PPRA (que em muitos casos vem sendo substituído ou complementado por novos formatos de gestão integrada de riscos).

Outro fator que pressiona as empresas a adotarem políticas de prevenção mais claras é a análise de custo-benefício: trabalhadores com sofrimento psíquico prolongado tendem a apresentar maior absenteísmo, rotatividade e acidentes típicos, o que representa perdas econômicas.

Cada vez mais, grandes corporações do setor minerário devem compreender que investir em saúde mental traz vantagens concretas, pois reduz gastos com afastamentos, melhora o clima organizacional e reforça uma imagem positiva para investidores, fornecedores e sociedade.

Ademais, empresas que aspiram certificações internacionais em saúde e segurança, como a ISO 45001, precisam demonstrar procedimentos claros de identificação e prevenção de fatores que impactem o bem-estar mental de seus colaboradores.

No cenário internacional, a África do Sul, por exemplo, apresenta um histórico de mineração de ouro e diamantes em condições insalubres, com elevado índice de acidentes e problemas de saúde ocupacional. A distância entre as minas e os centros urbanos, em conjunto com a precariedade de muitos assentamentos mineradores, agrava a escassez de serviços de apoio psicológico, resultando em maior vulnerabilidade dos trabalhadores. Na China, que figura entre os maiores produtores de carvão do mundo, o ritmo de trabalho extenuante e o número expressivo de acidentes fatais contribuem para a fragilidade emocional das equipes, que vivem em constante temor. Além disso, a dificuldade de acesso à saúde pública especializada em regiões remotas tem sido um obstáculo para o tratamento adequado de problemas mentais. Em diferentes nações latino-americanas, a informalidade e o pouco controle sobre os protocolos de segurança igualmente afetam a possibilidade de implantação de programas robustos de prevenção e acompanhamento psicológico. Essa realidade global de precariedade e altos riscos ressalta a urgência de harmonizar ações no âmbito legal e implementar uma cultura efetiva de atenção à saúde integral do trabalhador.

Embora avanços já sejam perceptíveis em algumas mineradoras que têm adotado políticas de prevenção de riscos psicossociais, palestras de conscientização, atendimento psicoterapêutico e, sobretudo, acolhimento de demandas emocionais, o setor ainda carece de um padrão consolidado que inclua a obrigatoriedade de tais programas.

Para o Brasil, há uma oportunidade concreta de liderar esse movimento, pressionando por atualizações nas NRs e por maior integração entre as normas de saúde e segurança com as políticas de responsabilidade socioambiental. As CIPAs (Comissões Internas de Prevenção de Acidentes) podem desempenhar um papel fundamental no direcionamento do olhar para a saúde mental, subsidiando a empresa e o sindicato com informações sobre situações recorrentes de estresse e insatisfação, além de propor soluções concretas de melhoria do ambiente laboral.

O fortalecimento desses espaços de diálogo e a promoção de mecanismos de participação ativa dos trabalhadores se mostram como caminhos eficazes para prevenir situações extremas, como surtos, crises de pânico ou até mesmo tendências suicidas.

Ao fim, a discussão sobre saúde mental dos trabalhadores na mineração converge para a constatação de que não basta o cumprimento formal de requisitos mínimos de segurança. É indispensável incorporar à rotina do setor um cuidado integral, que inclua avaliação, prevenção e tratamento das questões psicológicas que inevitavelmente emergem em atividades tão desafiadoras. Atender ao ODS 8 e às diretrizes de trabalho decente não se trata apenas de uma exigência global para melhorar índices de competitividade; é também um imperativo ético, uma responsabilidade social que recai sobre governos, empresas e a própria sociedade, garantindo que aqueles que atuam na base da cadeia produtiva de minérios – sustentando diversas outras indústrias – sejam devidamente protegidos no que diz respeito à sua saúde física e mental.

Sem uma mudança cultural que coloque a vida e a dignidade do trabalhador em primeiro lugar, o desenvolvimento econômico promovido pela mineração continuará marcado por desigualdades, sofrimentos e tensões que poderiam, com esforço conjunto, ser amplamente mitigadas.

Mariana Santos e Márcia Itaborahy
Mariana Santos e Márcia Itaborahy

MM Advocacia Minerária

 

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