Nenhuma atividade econômica no Brasil tem o potencial de causar tantos impactos sociais e ambientais simultaneamente como a mineração. E, diante de tamanha complexidade, o Direito não pode ser coadjuvante. Ele é ferramenta essencial para garantir que o desenvolvimento não seja feito à custa da violação de direitos fundamentais.
Quando uma comunidade é impactada por um empreendimento minerário, não se trata apenas de reparar danos: é preciso prevenir, dialogar, garantir transparência, assegurar o consentimento, viabilizar compensações justas e acompanhar de perto os processos de reconstrução de vidas e territórios. E é por meio da atuação jurídica – consultiva, contenciosa e estratégica – que esses objetivos ganham concretude.
A proteção legal começa antes mesmo da primeira perfuração do solo. A Constituição Federal de 1988 assegura às populações tradicionais o direito à consulta livre, prévia e informada, conforme definido na Convenção nº 169 da OIT, ratificada pelo Brasil. Não se trata de mera formalidade: a consulta deve ser transparente, com linguagem acessível, e permitir que a comunidade influencie verdadeiramente as decisões que afetarão seu território e modo de vida.
Durante o licenciamento ambiental, os Estudos de Impacto Ambiental e Relatórios de Impacto ao Meio Ambiente (EIA/RIMA) devem conter análise de impactos sociais, culturais e econômicos, além dos ambientais. Porém, não raramente, esses estudos ignoram a realidade das comunidades locais ou subestimam seus modos de vida. A atuação jurídica nesse momento é fundamental para fiscalizar os termos do licenciamento, provocar o Ministério Público, exigir a realização de audiências públicas legítimas, e impedir que o processo seja apenas uma chancela formal do projeto minerário.
A partir da instalação do empreendimento, surgem os efeitos mais evidentes e, muitas vezes, irreversíveis. Perdas materiais, psicológicas, espirituais.
A Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB) oferece diretrizes sobre reassentamentos, compensações financeiras, reconstrução de territórios e reconversão econômica. Juridicamente, ela tem servido de base para ações judiciais que exigem mais do que indenizações: exigem reconhecimento, escuta, protagonismo das comunidades.
Outro aspecto essencial diz respeito ao reassentamento coletivo. Muitas mineradoras insistem em propostas de indenizações individuais, fragmentando comunidades e desestruturando vínculos sociais. No entanto, a legislação e a jurisprudência já reconhecem que reassentamento coletivo, culturalmente adequado e com participação ativa dos atingidos, é a forma mais digna e legítima de reparação. É preciso conhecer e respeitar as opções e interesses dos atingidos, nesse contexto.
O advogado, nesse cenário, atua não só como defensor, mas como articulador social, perito do território e intérprete da cultura local.
Também se faz presente a responsabilidade objetiva das mineradoras pelos danos causados – o que significa que não se exige prova de culpa para que elas sejam condenadas a reparar integralmente os prejuízos, bastando a comprovação do nexo entre o empreendimento e o dano.
Essa regra tem base no Código Civil, no Código de Defesa do Consumidor, no Código de Mineração e na jurisprudência pacífica dos tribunais superiores. O desafio está na produção de provas, que muitas vezes depende de laudos técnicos, perícias ambientais e testemunhos, exigindo uma advocacia altamente especializada.
A justiça restaurativa, o acesso a acordos estruturantes, a monitoria independente, a revisão periódica das medidas de reparação e a transparência dos compromissos firmados com as comunidades também são dimensões jurídicas cada vez mais incorporadas nos conflitos minerários. O advogado comprometido com os direitos dos atingidos precisa, portanto, dominar para além das áreas do direito ambiental, minerário, civil e constitucional: deve conhecera lógica das negociações extrajudiciais, especialmente frente à mineração, e as ferramentas de mobilização comunitária.
Por fim, o mais importante: o direito só se cumpre quando é conhecido e exercido. Daí a necessidade de levar formação jurídica popular às comunidades, traduzindo leis em linguagem acessível, empoderando lideranças locais e garantindo que cada pessoa atingida saiba que não está sozinha – e que tem amparo legal para resistir, reivindicar e reconstruir.
A defesa dos direitos de quem vive sobre o solo é, hoje, tão estratégica quanto a regulação da extração do que está debaixo dele. E enquanto os grandes projetos disputam os minerais estratégicos do Brasil, o papel do advogado permanece firme: proteger o essencial, que são as vidas e histórias daqueles que habitam esses territórios.
