Em cada nova frente de mineração aberta no Brasil, uma realidade é reconfigurada. O que à distância parece ser apenas crescimento econômico, para quem vive de perto significa mudança profunda — da paisagem, dos sons, dos ritmos cotidianos, dos modos de vida.
A chegada da mineração a uma comunidade pode representar, ao mesmo tempo, esperança e ameaça: enquanto uns projetam empregos e progresso, outros enxergam o risco de deslocamentos forçados, escassez de água, poluição e insegurança.
Esse conflito não é novo, mas se intensifica à medida que o país se torna um dos principais alvos globais na corrida por minerais estratégicos.
Grandes projetos atraem capital estrangeiro, mobilizam a estrutura pública, mudam políticas locais — mas muitas vezes esquecem de consultar, de escutar, de respeitar quem já estava ali. Superficiários, quilombolas, ribeirinhos, agricultores familiares, indígenas e populações tradicionais são, historicamente, os mais afetados. Em muitos casos, sequer são informados da chegada da atividade mineral em suas regiões.
Os impactos ambientais, como a contaminação dos cursos d’água, o rebaixamento de lençóis freáticos, a perda de biodiversidade e a modificação do solo, se somam a danos sociais graves: comunidades desarticuladas, aumento de conflitos internos, surgimento de doenças mentais e ocupacionais, insegurança alimentar. A experiência do Brasil com os desastres de Mariana (2015) e Brumadinho (2019) deixou marcas que ainda não cicatrizaram — e que alertam para os riscos reais da negligência.
Por outro lado, é inegável que a mineração também pode gerar benefícios: emprego direto e indireto, dinamização econômica local, investimentos em infraestrutura, programas sociais e arrecadação de tributos. Mas o saldo positivo só é possível quando a exploração mineral é feita com responsabilidade, com transparência e com mecanismos reais de participação social. O problema é que isso raramente acontece por iniciativa espontânea.
É justamente aí que entra a atuação jurídica em defesa dos direitos das comunidades atingidas. As garantias legais existem. A Constituição Federal assegura o direito à moradia, à dignidade, ao meio ambiente equilibrado e à consulta prévia às comunidades tradicionais (conforme a Convenção nº 169 da OIT, internalizada pelo Brasil). A Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB), embora ainda careça de regulamentação nacional ampla, em alguns pontos, oferece diretrizes valiosas. Os princípios orientativos são claros e visam ao equilíbrio das relações.
O licenciamento ambiental, quando bem conduzido, prevê audiências públicas e avaliação de impactos sociais. Mas tudo isso precisa ser exigido, fiscalizado e judicializado quando necessário.
Cada território atingido exige uma escuta atenta e uma resposta jurídica personalizada. Um reassentamento mal feito pode ser tão danoso quanto um desastre ambiental. A falta de compensações justas transforma promessas em litígios. A ausência de planos de reconversão econômica deixa comunidades dependentes de um único ciclo, que, quando se encerra, deixa o vazio.
Por isso, a advocacia em prol dos atingidos vai além dos processos judiciais: é assessoria técnica, é diálogo com o Ministério Público, é enfrentamento administrativo, é formação política e jurídica da comunidade para que ela compreenda seus direitos.
O desafio maior está em garantir que os benefícios de uma mineração responsável não sejam privilégio de poucos, mas um direito compartilhado. Que o progresso não seja sinônimo de ruptura, e sim de integração. Que o novo ciclo mineral que se avizinha não repita os mesmos erros de ciclos anteriores.
E, enquanto os holofotes seguem apontados para as riquezas do subsolo, é urgente que se volte o olhar também para quem vive sobre ele. Porque a verdadeira riqueza está nas pessoas — e na capacidade de fazer com que seus direitos não sejam soterrados em nome do desenvolvimento.
