A intensidade das atividades na mineração expõe os trabalhadores a pressões constantes, metas rigorosas e ambientes insalubres e altamente perigosos, o que pode desencadear um estado de esgotamento físico, emocional e mental conhecido como burnout.
Esse fenômeno decorre do excesso de trabalho, das várias formas de assédio e da cobrança por produtividade, mas inclui ameaças à saúde mental provocadas pelo convívio diário com riscos de acidentes, contato com substâncias tóxicas e exposição a ruídos e vibrações. A somatória desses fatores agrava ainda mais o desgaste psíquico, criando um cenário em que as esferas jurídica, psicológica e psiquiátrica devem atuar em conjunto para prevenir e reparar danos.
Nos últimos meses, várias reportagens têm mostrado um aumento significativo nos afastamentos do trabalho por problemas de saúde mental, especialmente depressão, ansiedade e burnout. Profissionais de diferentes atividades empresariais, incluindo mineradoras, relatam crises graves durante a jornada, com episódios de pânico, sensação de sufocamento e perda de controle, demandando intervenções médicas urgentes.
Alguns veículos de imprensa apontam que a busca por auxílio-doença, em razão de quadros de exaustão extrema, se tornou mais frequente, evidenciando um processo de adoecimento coletivo e de urgência na adoção de medidas preventivas.
Há ainda relatos chocantes de trabalhadores que desenvolvem uma profunda desmotivação e chegam a mencionar o desejo de morte, fruto da sensação de que a vida se restringe a cumprir metas inalcançáveis e lidar com um ambiente hostil, perigoso e repleto de tensões.
Muitos também descrevem um esvaziamento de interesse pelo próprio desenvolvimento profissional, demonstrando como a sobrecarga no trabalho vai além de problemas de saúde física, afetando o sentido mais básico de realização pessoal. Esse quadro dramático deixa claro que as empresas precisam encarar a saúde mental de maneira séria e sistêmica, reconhecendo a urgência de reformular práticas de gestão de pessoas e de segurança do trabalho.
Não é raro observar que, diante da pressão incessante e do estresse acumulado, o trabalhador perca a capacidade de lidar com problemas simples, o que compromete as relações familiares e a convivência com colegas. As consequências podem incluir transtornos psiquiátricos de menor ou maior gravidade.
A jurisprudência já reconhece o dano moral no contexto ocupacional quando há agressões à dignidade do empregado, situações de assédio moral – e até sexual – e pressões indevidas que comprometem o equilíbrio emocional do trabalhador.
No ambiente das mineradoras, essas práticas podem assumir diferentes formas, desde a imposição de jornadas exaustivas e metas inalcançáveis até ameaças veladas que alimentam medos e inseguranças.
Conforme a visão do professor Sebastião Geraldo de Oliveira, Desembargador no TRT3 (Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais), as consequências podem ir além do campo moral, abrangendo danos materiais, pois o trabalhador pode ficar impedido de exercer plenamente suas atividades ou até mesmo sofrer limitação permanente em sua capacidade laboral.
Também se avalia o dano estético, quando há perda de características físicas em razão de acidentes ou doenças. E se traz ao debate o dano existencial, que afeta o projeto de vida do indivíduo, inviabilizando seus planos pessoais e familiares.
A psicologia e a psiquiatria alertam que o burnout não se restringe à sensação de cansaço, mas envolve sintomas como irritabilidade constante, insônia, depressão, ansiedade e perda de senso de realização pessoal. Esses sinais podem ser agravados pelo ambiente altamente perigoso e insalubre das mineradoras, onde a tensão para evitar acidentes com explosivos e maquinários pesados perpetua um estado de alerta constante.
Para agravar, há exposição a vibrações, calor intenso, substâncias químicas nocivas, explosivos e condições extremas de trabalho, o que exige grande esforço físico e mental. Essa pressão contínua pode resultar em um colapso emocional, no qual o trabalhador perde a capacidade de lidar com problemas simples, comprometendo sua interação com colegas, familiares e a própria empresa.
Muitas vezes, a exaustão já se sente, por algum tempo, mas um gatilho qualquer, por mais simples que possa, à primeira vista, parecer, desencadeia um processo de queima interna da pessoa, seu desespero e sua perda total, uma ausência de si.
Do ponto de vista jurídico, é fundamental analisar a conduta do empregador na adoção de medidas que possam prevenir ou minimizar tais riscos, como a implantação de pausas regulares, a redução do tempo de exposição a agentes nocivos, a oferta de equipamentos de proteção individual eficazes e a promoção de uma cultura organizacional que valorize a saúde mental do trabalhador.
Há que ser um programa de prevenção e atenção verdadeiro, e não meramente formal, apenas para cumprimento da lei e do compliance da organização.
O descumprimento desses deveres pode configurar responsabilidade civil e trabalhista, com a consequente obrigação de indenizar por danos morais, materiais, estéticos e existenciais.
A teoria da responsabilidade objetiva ganha relevo em casos de atividades de risco, como ocorre no setor de mineração, pois a lei admite a culpa presumida do empregador que não garante condições mínimas de segurança e saúde. Os tribunais trabalhistas, incluindo a esfera do TRT3, têm conferido proteções cada vez mais abrangentes ao empregado, reconhecendo a importância da saúde mental como direito fundamental.
Vale ressaltar que situações de assédio moral, pressão psicológica e perseguição dentro da empresa configuram violações ainda mais graves das obrigações patronais. As várias formas de assédio podem se configurar de forma vertical (exercida por superiores hierárquicos) ou horizontal (de colaboradores entre si), mas subsiste a responsabilidade do empregador pela consistência de um ambiente laboral saudável.
Se o trabalhador é submetido a humilhações, cobranças excessivas, comparação constante com colegas ou ameaças de demissão a todo momento, xingamentos, piadas ou outras formas de discriminação, cria-se um ambiente hostil que catalisa o surgimento ou o agravamento do burnout, além de outras enfermidades de ordem psíquica.
Nesses casos, a reparação por danos vai além da esfera moral, impactando a própria existência do indivíduo e comprometendo sua autoconfiança e suas relações sociais.
Dessa maneira, é imperativo que se reconheça, no processo judicial, o nexo causal entre a atividade de risco, a omissão do empregador na gestão de riscos psicossociais e a patologia desenvolvida ou agravada pelo trabalhador.
Nos últimos anos, as empresas, e dentre elas as mineradoras, têm sido chamadas a se responsabilizarem não somente pela integridade física e psíquica de seus colaboradores diretos, mas também dos terceirizados e prestadores de serviços que atuam em suas instalações.
A nova redação da NR1 (Norma Regulamentadora nº 1), voltada à gestão integrada de riscos e à prevenção de acidentes e doenças, estabelece obrigações mais específicas acerca do mapeamento dos perigos e da adoção de estratégias para garantir a saúde e a segurança de todos os trabalhadores envolvidos. Dessa forma, a fiscalização tende a se tornar mais rigorosa, exigindo uma postura ativa das empresas na identificação de fatores que desencadeiam ou agravam problemas de saúde mental.
A responsabilidade das mineradoras se estende também às condições ambientais do desenvolvimento laboral, pois a manutenção de espaços inadequados, com alto nível de ruído, calor excessivo e falta de ventilação, ou a exposição a todas as formas de intempéries, nos trabalhos a céu aberto, intensifica a exaustão física e mental dos trabalhadores.
Além disso, a NR1 reforça a necessidade de capacitação contínua e de informação clara sobre riscos ocupacionais, abrindo caminho para uma cultura de prevenção que tenha a saúde física e mental do colaborador como prioridade, independentemente do vínculo contratual. O desrespeito a essas exigências poderá gerar consequências legais e reforçar a responsabilização em caso de adoecimento ou agravamento de quadros psíquicos.
O combate efetivo ao burnout e outros agravamentos da saúde mental dos trabalhadores na mineração passa por uma mudança de paradigma na cultura empresarial, em que a saúde psíquica deixe de ser vista como um problema individual e passe a ser encarada como questão coletiva e prioritária. A própria legislação trabalhista e as decisões judiciais fornecem suporte para coibir abusos e punir condutas que gerem sofrimento psíquico.
Além disso, reconhece-se a necessidade de acompanhamento profissional, que inclua psicólogos e psiquiatras, de modo a identificar precocemente os sinais de esgotamento e oferecer estratégias de enfrentamento e cuidados contínuos. Essa abordagem multidisciplinar fortalece o vínculo entre a empresa e seus empregados, refletindo diretamente em um ambiente de trabalho mais seguro, equilibrado e produtivo.
No âmbito das indenizações, a análise feita pelos tribunais tende a observar não só o sofrimento psíquico e as repercussões práticas na vida do trabalhador, mas se converge em avaliação da intensidade do dano e o caráter pedagógico em relação ao empregador. Ao fixar valores indenizatórios, leva-se em conta o potencial econômico da empresa, a gravidade das violações e o tempo de exposição aos riscos. E o próprio resultado que experimentou o colaborador.
Assim, além de compensar o trabalhador, busca-se um efeito dissuasório, incentivando novas práticas que reduzam drasticamente as chances de desrespeito aos limites físicos e psicológicos do trabalhador.
Ao final, considerando todo o contexto de periculosidade, insalubridade e possíveis assédios no ambiente das mineradoras, há a consolidação de um entendimento jurídico que responsabiliza o empregador pelos danos gerados ao empregado, sobretudo quando presente o burnout.
A expertise acumulada por estudiosos dessa temática contribui para que possamos compreender, de maneira aprofundada, as nuances dessas questões, aliando as abordagens médica e psicológica aos fundamentos legais, sempre com o objetivo de proteger a dignidade humana no cenário laborativo.
