ACIDENTES DO TRABALHO E DOENÇAS OCUPACIONAIS NA MINERAÇÃO GESTÃO DE RISCOS E HUMANIZAÇÃO DO TRABALHO

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A mineração se apresenta como um setor estratégico para diversos países, incluindo o Brasil, gerando riqueza, empregos e contribuindo para o desenvolvimento econômico.

No entanto, os trabalhadores envolvidos nessa atividade enfrentam condições hostis e perigosas que podem comprometer tanto a saúde física quanto a mental. Sob pressões constantes de produtividade, exposição a substâncias tóxicas e rotinas extenuantes, esses profissionais lidam com riscos que vão desde acidentes de trabalho fatais até o desenvolvimento de doenças ocupacionais crônicas, agravadas por aspectos psicossociais, para além dos riscos físicos que enfrentam, diariamente.

Em um contexto onde a prevenção é muitas vezes focada em medidas tradicionais de segurança, torna-se urgente expandir o olhar para os fatores emocionais e promover um ambiente verdadeiramente seguro e saudável em consonância com o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável número 8 – ODS8, o qual enfatiza a promoção de trabalho decente e crescimento econômico sustentável.

Em termos de saúde física, os riscos mais evidentes na mineração incluem acidentes graves decorrentes de explosões, desabamentos, quedas de rochas e falhas mecânicas em equipamentos. A mineração subterrânea, em especial, carrega um histórico de incidentes que muitas vezes resultam em traumas irreversíveis e até em mortes.

No Brasil, episódios como o rompimento de barragens em Mariana e Brumadinho, embora não tenham ocorrido dentro de galerias subterrâneas, demonstram a devastação que a negligência em relação à segurança pode trazer. Esses desastres abalam a estrutura do local de trabalho e todo o ecossistema social ao redor, incluindo os próprios funcionários e suas famílias, que sofrem não só fisicamente, mas também emocionalmente, diante do luto e das perdas materiais.

Em escala global, exemplos na China e na África do Sul ilustram como explosões em minas de carvão ou colapsos de estruturas subterrâneas são eventos relativamente frequentes e de alto impacto, denunciando a fragilidade de sistemas de prevenção que não acompanham o ritmo das demandas do mercado.

Paralelamente aos acidentes de trabalho, as doenças ocupacionais representam uma preocupação crescente. São comuns patologias respiratórias como a silicose, resultante da inalação de poeiras de sílica durante a perfuração e a movimentação de rochas, afetando a capacidade pulmonar de forma muitas vezes irreversível. A exposição a metais pesados pode causar intoxicações progressivas, enquanto o excesso de ruído e vibrações intensas pode levar à perda auditiva. Além disso, o calor e a umidade em minas subterrâneas potencializam o aparecimento de problemas dermatológicos e de desidratação.

Esse conjunto de agravos à saúde física, quando não monitorado e gerido, promove o decréscimo da qualidade de vida dos profissionais, gera custos elevados para o sistema de saúde e prejudica a estabilidade social de comunidades inteiras que dependem da atividade mineradora.

O cenário de riscos, contudo, não é limitado ao plano físico. A saúde mental dos trabalhadores sofre constantes ataques em virtude da tensão decorrente de jornadas estafantes, do medo permanente de acidentes e do isolamento geográfico a que muitos são submetidos. Em regiões remotas, as minas frequentemente se situam longe dos centros urbanos, dificultando o acesso a serviços de saúde mental. Não raro, esses homens e mulheres passam longos períodos afastados do convívio familiar, vivendo sob pressão de metas produtivas e em ambientes onde a cultura de competitividade muitas vezes prevalece sobre o bem-estar individual.

O estresse crônico, a ansiedade, a depressão e o burnout tornam-se companheiros silenciosos, capazes de degenerar a qualidade de vida e até culminar em quadros graves, como o uso abusivo de substâncias e pensamentos suicidas.

Em alguns locais dos empreendimentos brasileiros, os trabalhadores, especialmente os terceirizados, se amontoam em alojamentos que nem sempre atendem aos critérios técnicos de habitabilidade. Constituem-se em precárias moradias próximas às minas sem suficiente infraestrutura de saúde, que tornam o desafio de cuidar da saúde física e mental do trabalhador ainda mais colossal.

Esse panorama crítico se correlaciona diretamente ao ODS 8, que preconiza trabalho decente para todos. No setor da mineração, alcançar o trabalho decente exige um salto qualitativo na forma como as empresas e governos lidam com a segurança e a saúde ocupacional.

Embora o Brasil possua um arcabouço de Normas Regulamentadoras para a proteção dos trabalhadores, muitas delas precisam de adaptações e reforços para abarcar de forma explícita a prevenção de riscos.

Entre os principais instrumentos, destacam-se a NR 7, responsável pelo Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO), e a NR 9, que prevê o Programa de Prevenção de Riscos Ambientais (PPRA). Apesar de historicamente se focarem mais na saúde física, ambas podem (e devem) ser aprimoradas para identificar e gerir estressores psicológicos no ambiente de trabalho, inserindo avaliações rotineiras de bem-estar físico e mental e capacitando equipes a lidar com sinais de sofrimento psíquico, tantas vezes de difícil identificação imediata.

Já a NR 22, específica do setor de mineração, contempla aspectos técnicos como ventilação, iluminação e prevenção de explosões em minas, mas tem espaço para incorporar de modo mais profundo a identificação dos fatores emocionais que afetam a segurança e a produtividade.

O arcabouço legal brasileiro vai além das Normas Regulamentadoras, estendendo-se para a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e para a Lei n. 8.213/1991, referente aos benefícios previdenciários, que prevê mecanismos de proteção ao trabalhador acometido por doenças ocupacionais. Entretanto, há uma lacuna no que diz respeito à formalização de programas de prevenção de riscos psicossociais como obrigações legais e não apenas como recomendações. Essa exigência tem ganhado corpo nos debates recentes, impulsionada por especialistas em saúde do trabalho e por órgãos de fiscalização que reconhecem a correlação entre doenças mentais, acidentes e queda na produtividade. A inclusão da obrigação de as empresas estruturarem programas de prevenção dos riscos psicossociais – mediante palestras, treinamentos, equipes multidisciplinares de apoio e, sobretudo, uma mudança cultural que valorize a segurança psicológica – surge como uma medida inadiável para equilibrar a balança dos lucros com a dignidade humana, alterando a NR – 01 para incluir a obrigação empresarial de prevenção deste tipo de risco.

Quando esses programas são aplicados de forma consistente, surgem efeitos positivos tangíveis: menor absenteísmo, maior engajamento, redução de turnover, prevenção de acidentes e crescimento de uma cultura de prevenção que irradia benefícios para além dos muros das empresas. Além disso, a crescente conscientização sobre responsabilidade social e desenvolvimento sustentável faz com que stakeholders, desde investidores até consumidores, passem a valorizar cadeias produtivas que demonstrem respeito à vida e à saúde de seus colaboradores.

Cumprir as metas propostas pelo ODS 8 deixa de ser apenas um discurso e passa a integrar a estratégia de negócio de grandes corporações de mineração, que percebem que o cuidado com o capital humano não é custo, mas sim investimento de longo prazo.

A contundência dos exemplos de tragédias no Brasil e no mundo, somada aos alarmantes índices de doenças ocupacionais e transtornos mentais na mineração, escancara a urgência de medidas eficazes e duradouras.

Governos, sindicatos, empresas e sociedade civil precisam atuar em conjunto para fortalecer o aparato normativo, reforçar as fiscalizações e ampliar a percepção de que segurança e saúde vão além do controle de poeira e do fornecimento de equipamentos de proteção.

A mineração sustentável e compatível com a dignidade do trabalho requer uma transformação estrutural que incorpore, sem ressalvas, as dimensões física e mental da saúde, assegurando condições de labor que preservem a integridade dos trabalhadores e promovam o verdadeiro desenvolvimento socioeconômico. Em última instância, serão a convergência de políticas públicas, compromissos internacionais, legislações fortes e práticas empresariais responsáveis que irão determinar se a mineração conseguirá trilhar um caminho de prosperidade compartilhada ou continuará marcada por riscos inaceitáveis e sofrimento humano evitável.

Mariana Santos e Márcia Itaborahy
Mariana Santos e Márcia Itaborahy

MM Advocacia Minerária

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