A Jaula de Ferro Digital: ODS 8 e a Inteligência Artificial

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Retomando os artigos que versam sobre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, acreditamos que o ODS 8, que versa sobre crescimento econômico inclusivo e sustentado, trabalho decente e desenvolvimento humano, é um chamado urgente em um mundo profundamente marcado por desigualdades e transformações tecnológicas sem precedentes.

O ODS 8 aborda o crescimento econômico sustentável, com foco na geração de empregos dignos e no fortalecimento das condições de trabalho. Este objetivo, ao mesmo tempo ambicioso e essencial, ocupa um papel central na promoção da justiça social e no combate às desigualdades, refletindo-se em diversas áreas, como a educação, a redução da pobreza e a preservação ambiental.

Esse objetivo nos confronta com a necessidade de repensar modelos econômicos e sociais que privilegiam poucos às custas da exclusão de muitos. As inteligências artificiais, tão exaltadas como soluções revolucionárias, levantam questionamentos fundamentais sobre o futuro do trabalho e da dignidade humana.

Não se olvida que o desenvolvimento tecnológico e, especialmente, a rápida evolução da inteligência artificial, é um caminho sem volta: fundamental para o mercado, para a sociedade, não há, definitivamente, como ignorá-la.

Sob a ótica da sociologia e da filosofia, a revolução tecnológica está redesenhando o contrato social e nos forçando a refletir sobre o significado do trabalho em uma sociedade onde máquinas aprendem, criam e produzem com eficiência crescente.

No Brasil, um país historicamente desigual e dependente de setores intensivos em trabalho, o ODS 8 ocupa uma posição de extrema relevância. As taxas de informalidade e desemprego estruturais expõem milhões de trabalhadores a condições precárias, muitas vezes à margem dos benefícios do progresso tecnológico.

Na era das IA’s, o ODS 8 assume contornos ainda mais urgentes e desafiadores. O avanço tecnológico, embora traga inúmeras oportunidades de crescimento, também intensifica questões relativas à substituição da mão de obra humana, às disparidades de renda e à concentração de riquezas em determinados setores e regiões. A adoção acelerada de soluções baseadas em IA no mercado, especialmente em áreas intensivas em capital como a mineração, exige uma abordagem equilibrada que alie produtividade e inclusão social.

Com a introdução de tecnologias de ponta e automação em larga escala, a mineração 4.0 enfrenta a necessidade de equilibrar eficiência operacional com a manutenção e a geração de postos de trabalho

Em comunidades mineradoras, onde a dependência econômica do setor é um fator determinante, o avanço da automação tem o potencial de agravar ainda mais as desigualdades regionais. A adoção de tecnologias como robôs subterrâneos, caminhões autônomos e sistemas preditivos, enquanto melhora a eficiência operacional, desloca trabalhadores e desarticula ecossistemas sociais inteiros. Empresas mineradoras no Brasil têm demonstrado iniciativas pontuais de requalificação profissional, mas aí reside o dilema: como transformar essas ações em um compromisso amplo e estrutural?

No âmbito global, o setor de tecnologia intensiva expõe ainda mais as contradições do crescimento desigual. Na China, o avanço em automação em manufaturas elimina milhões de empregos humanos em favor de robôs industriais, enquanto países em desenvolvimento na África enfrentam o desafio de integrar suas economias às cadeias globais de valor em um ambiente cada vez mais competitivo. Na Europa, debates filosóficos e econômicos giram em torno da implementação de uma renda básica universal, um modelo que reconhece que o emprego não será mais um elemento central de sustento em um mundo dominado por IA. Embora essas ideias sejam atraentes, elas também levantam preocupações sobre a dignidade do ser humano e sua relação com o trabalho.

A mineração, especificamente, ocupa um lugar único nesse cenário. Trata-se de um setor que extrai riquezas diretamente da terra, mas que frequentemente negligencia as riquezas sociais que sustentam suas operações. Os impactos negativos das atividades mineradoras, como desmatamento, deslocamento de comunidades e danos à saúde pública, são amplamente documentados, mas o papel do setor na construção de um mercado de trabalho justo e resiliente ainda é insuficientemente explorado. Empresas globais como a Rio Tinto e a BHP Billiton iniciaram programas de transição para trabalhadores deslocados pela automação, mas esses exemplos, ainda incipientes, permanecem exceções, não regras. No Brasil, a Vale, uma das maiores mineradoras do mundo, enfrenta uma cobrança crescente por soluções que transcendam medidas compensatórias e promovam transformações estruturais em comunidades impactadas.

É necessário destacar que o ODS 8 não pode ser tratado como uma pauta isolada ou meramente corporativa. Ele deve ser compreendido como um pilar para uma nova arquitetura global que harmonize progresso econômico com justiça social. Isso requer parcerias intersetoriais que integrem governos, iniciativa privada e organizações da sociedade civil. Políticas públicas que incentivem o emprego digno, combinem educação técnica e humanística e garantam proteção social são essenciais para minimizar os efeitos colaterais de um mundo automatizado. As empresas, especialmente as mineradoras, devem incorporar o ODS 8 em seus relatórios de sustentabilidade não meramente como um indicador de performance, mas, sobretudo, como um compromisso prático com o desenvolvimento humano.

Para cumprir os compromissos relacionados ao ODS 8, é essencial que as mineradoras adotem princípios de governança corporativa baseados em responsabilidade social e sustentabilidade. Isso inclui a implementação de programas de treinamento e capacitação voltados para preparar a força de trabalho para o futuro, bem como o fortalecimento de políticas que promovam a diversidade e a inclusão no ambiente corporativo. Além disso, é fundamental estabelecer parcerias com governos e organizações não governamentais para criar oportunidades educacionais e de desenvolvimento econômico que beneficiem não somente os trabalhadores diretos, mas também as comunidades do entorno.

Outro ponto central é o compromisso das mineradoras com a segurança no trabalho. Acidentes em mineração não são apenas tragédias humanas; são falhas que refletem a falta de comprometimento com princípios básicos de dignidade e respeito. Investimentos em tecnologia devem ser acompanhados de protocolos rigorosos de segurança e da promoção de uma cultura organizacional que priorize a vida e o bem-estar dos trabalhadores.

Os reflexos positivos de um compromisso sério com o ODS 8 se expandem para além do setor minerador. Ao gerar empregos dignos e inclusivos, as empresas contribuem para a redução de desigualdades, fortalecem economias locais e promovem estabilidade social. Isso também fortalece a imagem das organizações perante investidores, consumidores e a sociedade em geral, demonstrando que é possível conciliar lucratividade com responsabilidade.

Na atualidade, com a crescente integração de inteligências artificiais em todos os setores econômicos, é imprescindível que o mercado se atente aos desdobramentos do ODS 8. Além de responder às demandas por eficiência e inovação, as organizações precisam reconhecer seu papel como agentes de transformação social. As mineradoras, por sua vez, devem liderar pelo exemplo, demonstrando que o progresso tecnológico não precisa ser um antagonista do progresso social.

A resistência em adotar mudanças reais e efetivas não é apenas um risco para as comunidades, mas também para o próprio setor empresarial. Consumidores e investidores estão cada vez mais atentos às práticas corporativas, exigindo transparência e responsabilidade. Estudos indicam que empresas que investem em iniciativas sociais são mais resilientes em tempos de crise e conseguem construir relações duradouras com seus stakeholders. Portanto, ignorar o ODS 8 é negligenciar uma oportunidade estratégica de liderar em um mercado global que valoriza a sustentabilidade e a inclusão.

O futuro das relações de trabalho dependerá de como a sociedade responderá aos desafios impostos pela automação e pela desigualdade.

O ODS 8 não é apenas uma diretriz; é uma exigência moral e econômica que deve guiar decisões globais e locais. Na encruzilhada entre inovação tecnológica e justiça social, é fundamental que o mercado assuma sua responsabilidade e que as mineradoras liderem um movimento que una eficiência, inclusão e dignidade no trabalho. No coração desse debate está a questão fundamental: como garantir que o progresso beneficie a todos e não apenas os poucos que detêm os meios de produção? As respostas a essa pergunta determinarão para além do sucesso da Agenda 2030, serão fundamentais à dignidade e ao futuro das próximas gerações.

Mariana Santos e Márcia Itaborahy
Mariana Santos e Márcia Itaborahy

MM Advocacia Minerária

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