Em dezembro de 2023 foi promulgada a Lei 14.755/23. A nova lei dispõe sobre os atingidos por barragens e seus direitos, estabelecendo a Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB).
As barragens são de diversos tipos e se incluem como equipamento em várias atividades e várias finalidades, mas sua função básica é sempre conter: pode conter água, formando represas, para hidrelétricas, por exemplo; pode conter terra, evitando deslizamentos ou alterando a estrutura geográfica de determinado local; pode conter rejeitos de diversas atividades, principalmente de construção civil e industriais, e, dentre estas, a de mineração.
Sendo estruturas de grandes proporções, inevitavelmente, causam impactos relevantes. Tais impactos podem ser de tal monta que afetam, em maior ou menor graus, as populações locais e os ecossistemas próximos ou até remotos.
No caso da mineração, as barragens servem à deposição dos rejeitos da atividade. E quando o assunto é onde colocar o lixo (no caso, chamado rejeito), o mundo enfrenta diversos problemas, ainda, com poucas soluções sustentáveis.
Os rejeitos da mineração, porém, não são meros lixos. Os rejeitos da mineração são as sobras do processo de beneficiamento do minério, e, via de regra, contêm outros minerais de menor valor comercial (pelo menos, imediato) ou em menor quantidade ou menos interessantes (naquele momento), relativamente ao produto final, além de água e produtos químicos. Tanto que já existem estudos para o aproveitamento dos rejeitos, o que pode ser um processo muito interessante do ponto de vista da sustentabilidade.
Os rejeitos são depositados em barragens de contenção, a partir de diques que podem se constituir de solo compactado, blocos de rochas ou do próprio rejeito, em camadas, para limitar as lamas. À medida que o reservatório vai se enchendo, providencia-se o processo de alteamento. Esta forma de conter os rejeitos da mineração em barragens é o de menor custo, mas o que apresenta maiores riscos.
Na mineração, as barragens de rejeitos podem ser divididas em três tipos: barragem de alteamento a montante (construção incremental sobre o próprio rejeito depositado), proibida no Brasil, a partir do acidente de Brumadinho; barragem de alteamento a jusante (construção para fora da barragem existente, em escadas, aumentando a capacidade de armazenamento) e barragem de linha de centro (novos rejeitos são depositados no centro da barragem existente, semelhante às a montante, mas um pouco mais seguras).
De acordo com a Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB – Lei 12.334 de 20/09/2010), cabia, originariamente, à Agência Nacional de Águas (ANA) organizar, implantar e gerir o Sistema Nacional de Informações sobre Segurança de Barragens (SNISB) e fiscalizar a segurança das barragens destinadas à acumulação de água para quaisquer usos, à disposição final ou temporária de rejeitos e à acumulação de resíduos industriais.
Hoje, para cada tipo de finalidade da barragem, há um ou mais de um órgão competente para a fiscalização, com o objetivo evidente de reduzir a possibilidade de acidente e suas consequências. O órgão fiscalizador deverá informar imediatamente à autoridade licenciadora do SISNAMA (Sistema Nacional de Meio Ambiente) e ao órgão de proteção e defesa civil a ocorrência de desastre ou acidente nas barragens sob sua jurisdição, bem como qualquer incidente que possa colocar em risco a segurança da estrutura.
Todo esse trâmite deve ser registrado em órgão próprio; no caso da mineração, na ANM (Agência Nacional de Mineração). As barragens de rejeitos da mineração devem estar cadastradas na ANM, que tem, também, a função de fiscalizar a idoneidade desse equipamento para a atividade, além dos demais itens ligados à exploração minerária no Brasil.
Outra lei importante é a de nº 12.305/2010, que estabelece a Política Nacional de Resíduos Sólidos e determina que as mineradoras são obrigadas a estabelecerem um Plano de Gerenciamento de Resíduos Sólidos. É obrigação da empresa a demonstração de sua capacidade de gestão correta de seus resíduos, objetivando a redução de sua geração e a causação de danos ao ambiente e à saúde da população.
A gestão adequada de resíduos é necessária para a busca de soluções sustentáveis e redução dos danos. Evidentemente, as barragens de rejeitos de mineração são estruturas críticas para a gestão dos resíduos gerados durante o processo de extração de minerais. E, atualmente, a gestão é obrigação das empresas, em razão da importância da adequação dos critérios de ESG (environment/ambiente, social e governança), exigência global.
Importante mencionar, também, a Lei 13.575/17 que alterou, para adequar, a Política Nacional de Segurança de Barragens, e a Resolução ANM 13/2019, que determinou a descaracterização ou reforço das barragens a montante, já existentes, uma vez que este tipo passou a ser proibido no país.
Importantíssima a mineira Lei de Lama Nunca Mais (Lei 23.291/2019), após Brumadinho, que determina que as barragens serão objeto de auditoria técnica de segurança, sob responsabilidade do empreendedor, em periodicidade definida em razão do potencial de dano ambiental.
As barragens de rejeitos de mineração são, então, estruturas complexas construídas para armazenar os resíduos sólidos gerados durante o processo de extração de minerais. A construção e operação dessas barragens envolvem uma série de desafios, riscos e preocupações ambientais, especialmente após o desastre de Brumadinho.
Quem, afinal, são os atingidos?
O termo “atingidos por barragens de rejeitos de mineração” pode referir-se às pessoas e comunidades que sofrem diretamente, e em alguns casos, indiretamente, os impactos socioambientais decorrentes da construção, operação ou, em casos extremos, do rompimento de barragens de rejeitos. Esses impactos incluem deslocamento forçado, perda de meios de subsistência, danos à saúde, destruição de ecossistemas e até perda de vidas. Estes termos e abrangência representam uma conclusão natural.
Esse conceito, a nosso ver, deve ser ampliado: os atingidos não se limitam apenas à população residente nas proximidades das barragens, mas também incluem aqueles que dependem, diretamente, dos recursos naturais afetados, como agricultores, pescadores, povos indígenas e comunidades tradicionais. O conceito ampliado reconhece que os danos não se restringem apenas às áreas imediatamente impactadas, estendendo-se a uma rede complexa de relações socioeconômicas e ambientais. Essa conclusão espelha a realidade.
As comunidades impactadas por barragens de mineração, tanto no Brasil quanto em todo o mundo, frequentemente, enfrentam uma série de desafios socioeconômicos e ambientais. Esses desafios resultam dos impactos diretos e indiretos da construção e operação das barragens, bem como dos riscos associados, como vazamentos, rompimentos e desastres ambientais.
Exemplo nosso é o rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana, em 2015, que atingiu toda a extensão do Rio Doce, que atravessa o Estado de Minas Gerais e Espírito Santo, tendo atingido diversas populações ribeirinhas e outras que delas dependessem. A tragédia lançou mais de 50 milhões de metros cúbicos de lama de rejeito no Rio Doce, atingindo o Atlântico, chegando ao Parque Nacional de Abrolhos, na Bahia. Os pesquisadores lembram que os rejeitos de minério de ferro ainda invadiam o oceano 17 dias após o rompimento.
Pela sua dimensão, foi considerado o maior acidente ambiental do Brasil e o maior em cem anos, no mundo. O rompimento da barragem em Mariana teve repercussões internacionais, chamando a atenção para os riscos associados às barragens de rejeitos, em todo o mundo.
A lei define, porém, que as Populações Atingidas por Barragens referem-se aos conjuntos populacionais que, durante a edificação, funcionamento, inativação ou ruptura da barragem, se encontram em, pelo menos, uma das condições a seguir: perda da propriedade ou posse de seu imóvel; desvalorização de seu imóvel por conta da proximidade ou por estar a jusante da barragem; perda da capacidade produtiva de suas terras; perda do produto ou de áreas de exercício da atividade pesqueira ou de manejo de recursos naturais; interrupção prolongada ou alteração da qualidade da água que prejudique seu abastecimento; perda de fontes de renda e trabalho; mudança de hábitos das Populações Atingidas; alteração no modo de vida de populações indígenas e comunidades tradicionais; interrupção de acesso a áreas urbanas e comunidades rurais.
A lei entendeu que tais casos são os exclusivamente protegidos. É o que se chama taxatividade.
Porém, a vida real mostra que há casos de dificultação ou redução profunda da qualidade de vida, dos acessos, das fontes de renda e da produção, dentre outros vários escalonamentos de impactos. A lei abrange tão somente o fim de algo, o fim de um direito: da produção, da propriedade ou posse, dos acessos, etc. E há longo caminho de deterioração entre o estado originário ou atual, anterior às instalações do empreendimento, e um fim, a perda de tudo. Há prejuízos intermediários que devem ser cessados, compensados, indenizados, com condições alteradas.
Entre pesquisa, instalação e operação de um empreendimento minerário, o tempo é grande, os atos são muitos; é um longo caminho cujos resultados não podem ser medidos apenas no seu fim. E como e quando é o fim? Somente quando nada mais houver, essas pessoas serão os atingidos? Atingidos são muitos e, muitas vezes, anônimos que se perderam, de algum modo, em algum momento do caminho, entre o início e o fim.
Márcia Itaborahy e Mariana SantosMM Advocacia Minerária