Desde o segundo semestre do ano passado, quando a China resolveu conceder incentivos fiscais e praticar preços abaixo do mercado internacional, o aço brasileiro sofre com a concorrência do gigante asiático. A medida foi motivada pela redução do crescimento da economia chinesa e a estratégia encontrada pelo governo para fortalecer a indústria, a geração de empregos e o consumo interno foi justamente subsidiar a própria cadeia do aço. O resultado aqui do outro lado do mundo foi queda de exportações, de empregos e investimentos.
Em novembro, a ArcelorMittal anunciou férias coletivas a 400 funcionários na unidade de Resende-RJ. Àquela altura, a Gerdau já havia demitido 700 trabalhadores e colocado outros 600 com o contrato de trabalho suspenso no país. No final do mesmo mês, o presidente da Usiminas, Marcelo Chara, anunciava o fechamento do Alto-Forno 1 da siderúrgica, em Ipatinga, em tom de ultimato: “As importações do aço chinês estão destroçando o tecido industrial do país e estão afetando diretamente toda a indústria. Estão entrando no país a preços subsidiados e isso gera um tremendo dano”, declarou.
Há meses a Usiminas vinha cobrando o aumento da alíquotasobre importação do aço para tornar a matéria-prima brasileira competitiva no mercado interno. Chara lembrou que Estados Unidos, México e países da União Europeia tomaram a medida como forma de combater o comércio desleal da China.
Conforme balanço divulgado pelo Instituto Aço Brasil, as siderúrgicas do estado produziram 9,3 milhões de toneladas de aço bruto em 2023, o que representou uma queda de 7,8% em relação aos 10,1 milhões de toneladas de 2022. As vendas de produtos semiacabados e laminados permaneceram estáveis em 9,5 milhões de toneladas.
Cálculos feitos pela entidade indicam que a importação de 4,98 milhões de toneladas de aço em 2023 representou uma perda de receita de R$ 2,8 bilhões para o país e a transferência de 248.225 mil empregos para outros países produtores de aço. Pelos cálculos da entidade, a perda de receita da siderúrgica foi de R$ 30,6 bilhões.
Minas e a produção do aço
Apesar do declínio da produção, Minas Gerais continua sendo o maior produtor de aço do Brasil. A indústria siderúrgica mineira responde por 29,3% da produção de aço bruto do país e por 32,3% das vendas de produtos semiacabados e laminados. Em comparação, as participações de mercado do segundo colocado Rio de Janeiro foram de 27% e 21,8%, respectivamente.
As maiores empresas da indústria siderúrgica brasileira possuem fábricas em Minas Gerais, o que muitas vezes explica a posição de liderança do estado na produção. Minas Gerais abriga ArcelorMittal, Aperam, Gerdau e Usiminas. Em contrapartida, esse fator ainda pode ser o responsável pela queda da produção no estado, pois todas essas empresas enfrentam problemas causados pela redução da demanda interna devido ao aumento das importações de aço.
No final de janeiro deste ano, o Instituto Aço Brasil previu que o aço vindo de outros países somará ¼ do total consumido no Brasil em 2024, aumentando a participação no mercado brasileiro em relação ao registrado em 2023. No ano passado, tal participação foi de cerca de 20%, acima da média histórica, em torno de 13%.
Reação no mercado interno
Em meio a tanta pressão, o ano de 2024 começou com uma boa notícia para o aço brasileiro. Depois de mais de 30 anos, os Estados Unidos retiraram barreiras comerciais à produção e suspenderam as tarifas sobre os tubos soldados. Com isso, o produto do Brasil deixou de pagar a sobretaxa de 103,4% para entrar no mercado norte-americano. Os direitos antidumping em vigor desde 1992 foram revogados pela Comissão de Comércio Internacional dos EUA.
Na ocasião, o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio e vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, previu que a decisão ajudaria a impulsionar as exportações brasileiras em 2024. “É uma conquista importante que vai expandir ainda mais a exportação siderúrgica de tubos de aço para os Estados Unidos”, disse Alckmin ao anunciar o superávit recorde de US$ 98,8 bilhões na balança comercial no ano passado.
Conforme permitido pela Organização Mundial do Comércio, as leis anti-dumping aplicam-se quando um país alega que um concorrente está a produzir bens abaixo do custo, criando assim concorrência desleal para os produtos do país. Para retirar a sobretaxa, o país sancionado deve provar que a empresa não exportou a mercadoria abaixo do custo.
Aumento da alíquota e investimentos
No último dia 20 de maio, o Governo Federal anunciou que empresas do setor siderúrgico pretendem investir R$ 100,2 bilhões no Brasil até 2028. O anúncio veio depois de reunião entre representantes do segmento com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o vice-presidente Geraldo Alckmin e ministros da área econômica.
Embora mais detalhes sobre os investimentos não tenham sido divulgados, o anúncio ocorreu menos de um mês depois de o governo anunciar cotas de importação por um ano para 11 tipos de produtos de aço e taxação de 25% sobre o que exceder os limites. Em fevereiro, o governo já tinha restaurado as tarifas de importação para cinco itens.
“Além de lançarmos o Novo PAC [Programa de Aceleração do Crescimento] nesses 16 meses de governo, após pegarmos um país desestruturado, também recebemos o anúncio de R$ 130 bilhões do setor automobilístico e agora estamos anunciando mais R$ 100 bilhões de investimentos da indústria siderúrgica nos próximos cinco anos”, disse Lula.
Na cerimônia do anúncio, em Brasília, o presidente do Conselho Diretor do Instituto Aço Brasil, Jefferson de Paula, lembrou que o setor investiu R$ 162 bilhões em 15 anos e emprega 2,9 milhões de pessoas e que, no entanto, as siderúrgicas nacionais operam com cerca de metade da capacidade instalada, tendo produzido 26,6 milhões de toneladas, diante de um potencial de produção de 51 milhões. Segundo Jefferson, no ano passado, 26% do aço consumido no país foi importado, sendo 58% vindo da China.
“A decisão trouxe esperança para nossa indústria, como um primeiro passo para a redução da entrada desenfreada de importações no Brasil. Reafirmo a disposição da indústria do aço de se engajar no esforço de retomada do crescimento do país e de ser a base para iniciativas que desenvolvam nas áreas de infraestrutura, saneamento, moradia, transportes e energia”, avaliou De Paula.
Otimismo e remanejamento de investimentos
A continuação desta reportagem – abordando temas como a mudança de perspectiva para os investimentos das grandes siderúrgicas, a crise provocada pela Gerdau em Barão de Cocais e a previsão para o cenário do aço na balança comercial – está na edição especial do Jornal Cidades & Minerais. Para adquirir a versão impressa ou digital da publicação, os interessados devem entrar em contato pelo WhatsApp: (31) 98798-5580.