A mineração segue sendo um dos principais motores econômicos de Minas Gerais, mas nos territórios diretamente impactados por ela, como Conceição do Mato Dentro, a presença mineral vai além das cifras. Ela afeta a rotina da população, redefine prioridades administrativas e obriga o poder público a encontrar equilíbrio entre o que arrecada e o que entrega em forma de saúde, educação, infraestrutura e bem-estar. A cidade mineradora, muitas vezes celebrada pelos altos índices de arrecadação, se vê diante do paradoxo de conviver com vulnerabilidades crônicas nas áreas mais elementares da política pública. Esse descompasso exige um novo ciclo de reflexão, planejamento e compromisso com a realidade territorial.
O mais recente estudo do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, publicado em maio de 2025, lança luz sobre essa realidade. A análise comparativa, conduzida com dados de 2024, avaliou vinte municípios mineiros que mais arrecadam CFEM, a Compensação Financeira pela Exploração Mineral, e os comparou com 328 municípios sem mineração. Os resultados são claros, a riqueza arrecadada não tem se revertido, automaticamente, em melhorias nos indicadores de saúde. Municípios mineradores registraram uma taxa 61% maior de mortalidade por doenças circulatórias (8,7 por 100 mil habitantes), tempo médio de internação mais longo (6,6 dias contra 5), e um índice superior de recém-nascidos com baixo peso (10,26% frente a 9,09%). A partir desses dados, evidencia-se que a bonança fiscal não se converte, de imediato, em justiça social.
Esses números, que poderiam ser compensados por orçamentos robustos, mostram um descompasso inquietante. Em média, os municípios mineradores tiveram uma receita per capita sete vezes maior que os não mineradores, R$ 12.145,55 contra R$ 1.742,12. Ainda assim, oito dos vinte não registraram nenhuma despesa com Defesa Civil no ano analisado, mesmo havendo, em muitos deles, barragens com risco classificado. Isso revela que o desafio não está apenas na disponibilidade de recursos, mas na gestão estratégica deles. E, nesse ponto, o direito orçamentário, a técnica de planejamento público e a organização social precisam estar lado a lado.
Conceição do Mato Dentro é um caso emblemático. Com pouco mais de 23 mil habitantes, foi o município mineiro que mais arrecadou CFEM em 2024, mais de R$ 240 milhões, representando mais de um terço do orçamento total da cidade. Ao mesmo tempo, tem sido o epicentro de transformações desde a chegada e ampliação das operações do Sistema Minas-Rio, da Anglo American. A convivência entre prosperidade mineral e tensões sociais exige soluções inteligentes e articulações públicas firmes, e é exatamente esse o movimento que começa a se desenhar com mais nitidez em 2025.
No início deste ano, tomou posse o novo prefeito, Otacílio Neto Costa Mattos, carinhosamente conhecido como Otacilinho Neto, cuja gestão sinaliza um esforço para reposicionar o papel do município na relação com os grandes empreendimentos. Um marco desse novo ciclo foi a assinatura do protocolo de intenções com a Anglo American, ontem, 11 de junho de 2025, prevendo R$ 500 milhões em investimentos no município até 2033. Trata-se de um acordo voluntário, pactuado institucionalmente, sem imposição judicial, que define metas claras e compromissos setoriais. Mais do que cifras, esse pacto representa a tentativa de institucionalizar uma relação baseada em responsabilidade territorial.
Dentre os valores previstos, R$ 340 milhões serão aplicados em áreas como saúde, mobilidade urbana, educação e infraestrutura. Os R$ 160 milhões restantes se destinam a ações de cultura, lazer, segurança pública e preservação do patrimônio histórico. Incluem-se entre os projetos estruturantes a construção de um hospital regional e de um campus universitário federal. O pacto prevê ainda a criação de um comitê gestor para acompanhar a execução dos investimentos, o que pode garantir maior transparência e eficácia.
Mas para que esses recursos cumpram sua função de justiça econômica, é necessário planejamento de médio e longo prazo. Nesse ponto, os debates que temos feito em torno das emendas impositivas, por exemplo, ganham destaque. A execução das emendas parlamentares pode, quando articulada de forma estratégica, permitir que o município se antecipe aos gargalos de execução e crie fundos vinculados à saúde, educação, infraestrutura e também à gestão de riscos. O próprio estudo do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (2025) aponta que, entre os 20 municípios mineradores analisados, oito não destinaram qualquer valor à Defesa Civil em 2024, mesmo sendo regiões com alta arrecadação e risco geotécnico. Embora o relatório não identifique nominalmente cada município, Conceição do Mato Dentro integra esse grupo avaliado, o que reforça a importância de incluir a pauta da prevenção como diretriz orçamentária. A ausência de investimentos em áreas tão sensíveis não decorre da escassez de recursos, mas sim da necessidade de fortalecer o planejamento institucional e melhorar a articulação entre as áreas técnicas da gestão pública.
Como escritório que atua no município, o MM Advocacia Minerária, com histórico de assessoria a comunidades, famílias de superficiários impactados e à sociedade civil, vai acompanhar de perto os desdobramentos do protocolo assinado. A experiência de quem está no território demonstra que, o acordo representa uma sinalização política de que o município busca sair da condição passiva de compensação e assumir protagonismo em seu futuro institucional. É um início concreto, e pode ser, de fato, o começo de algo maior.
Nesse sentido, a saúde, a educação e a diversificação econômica devem estar no centro do debate público local. Municípios mineradores que não estruturam sistemas sólidos de atenção básica e hospitalar, que não qualificam sua juventude e não planejam novas matrizes econômicas, tendem a manter a dependência excessiva da arrecadação mineral, o que fragiliza a sustentabilidade da gestão pública. Conceição tem o desafio e a oportunidade de adotar um modelo diferente. Com planejamento orçamentário, estrutura técnica e escuta social, é possível reverter esse quadro e fortalecer o papel do poder público local.
A legislação federal já orienta nesse sentido. A Lei nº 8.001/1990 estabelece que ao menos 20% dos recursos da CFEM devem ser aplicados em ações estruturantes e de diversificação econômica. A Súmula nº 125 do TCE-MG reforça que os recursos da compensação mineral devem beneficiar diretamente a população afetada, com prioridade para políticas sustentáveis e duradouras. O que o estudo técnico mostrou, no entanto, é que essas normas ainda não têm sido plenamente aplicadas. O novo pacto em Conceição pode, e deve, ser um passo nesse sentido.
É por isso que 2025 se mostra, para Conceição do Mato Dentro, como um momento de transição. O prefeito Otacilinho Neto, ao firmar o protocolo com a Anglo American, estabeleceu uma nova moldura de cooperação entre o setor público e a mineração privada. Mas a verdadeira medida de seu sucesso não estará no montante acordado, e sim no que será feito com ele. A boa gestão pública, especialmente em territórios minerados, não pode ser apenas reativa, ela precisa ser propositiva, planejada e conectada à realidade local.
Nesse contexto, o olhar de quem vive o território, atua na interlocução com as comunidades impactadas e acompanha juridicamente os desdobramentos da mineração, como fazemos no MM Advocacia Minerária, pode ajudar a interpretar os sinais e os caminhos possíveis. É hora de transformar dados em diagnósticos, pactos em políticas públicas e compromissos em resultados. Conceição do Mato Dentro tem, neste momento, a oportunidade de construir um novo capítulo da sua história, mais estruturado, mais transparente e, sobretudo, mais alinhado com as necessidades reais da sua população.
O protocolo assinado não é um fim, é o começo de algo maior.
Referências:
Agência Nacional de Mineração (ANM). Arrecadação da CFEM – Dados por município (2024). Acesso em junho de 2025. https://app.anm.gov.br/arrecadacao
Anglo American Brasil. Investimentos Socioeconômicos – Projeto Minas-Rio. Junho de 2025. https://www.angloamerican.com.br/minas-rio
Brasil Mineral. Anglo investirá R$ 500 milhões em Conceição do Mato Dentro. Junho de 2025. https://brasilmineral.com.br/noticias/anglo-american-conceicao-500mi
Jornal Hoje em Dia. Anglo American firma protocolo com Conceição do Mato Dentro. 11 de junho de 2025. https://hojeemdia.com.br/noticia/protocolo-conceicao-anglo
MM Advocacia Minerária. Educação como Pilar: ODS 4 e a Diversificação Econômica em Territórios Minerados. Coluna Cidades Minerais. Publicado em 23 de outubro de 2024. https://cidadeseminerais.com.br/colunas/educacao-ods-4/
MM Advocacia Minerária. Reabilitação e Reconversão: Estratégias para um Fechamento de Mina Responsável. Coluna Cidades Minerais. Publicado em 5 de março de 2024. https://cidadeseminerais.com.br/colunas/reabilitacao-e-reconversao/
Prefeitura de Conceição do Mato Dentro. Protocolo de Intenções com Anglo American – 11 de junho de 2025. Acesso em 12 de junho de 2025. https://cmd.mg.gov.br/noticias/protocolo-anglo-american
Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCE-MG). Saúde Pública e Mineração de Ferro: Uma Análise Comparativa no Estado de MG. Maio de 2025. https://www.tce.mg.gov.br/noticias/estudo-saude-e-mineracao
