O Seminário Internacional de Minerais Críticos e Estratégicos 2025 não foi apenas um evento. Foi um retrato. Um espelho do que somos e do que ainda hesitamos em ser. Foi, também, uma tentativa coletiva de costurar, com técnica e coragem, o tecido de uma nova pactuação entre o Brasil mineral, o Brasil ambiental e o Brasil político. E o que mais se ouviu, nas entrelinhas dos discursos, foi o eco de uma pergunta silenciosa: seremos capazes de amadurecer a tempo?
Há um consenso de superfície: o Brasil é decisivo na transição energética global. Abriga províncias ricas em minerais críticos, possui uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo, detém biodiversidade estratégica e vem construindo, ainda que a passos lentos, marcos legais para uma mineração mais regulada e menos predatória. Mas sob essa superfície, há rachaduras — e são elas que ameaçam a credibilidade que tanto buscamos projetar.
Izabella Teixeira, ex-ministra do Meio Ambiente, co-presidente do Painel Internacional de Recursos da ONU e conselheira emérita do CEBRI, foi direta. Em sua fala final, não apresentou números ou gráficos: apresentou um país diante de uma encruzilhada. Lembrou, com a elegância firme de quem já ocupou o centro do poder, que a transição climática não se faz com frases de efeito, mas com coerência institucional. E ao trazer à tona o episódio constrangedor vivido por Marina Silva no Congresso, revelou o que fingimos não ver: que ainda tratamos a pauta ambiental como concessão — e não como dever de Estado.
Esse não é um detalhe. É um sintoma. E talvez o mais grave deles.
Quando Mauro Henrique Moreira Sousa, diretor-geral da Agência Nacional de Mineração (ANM), tomou a palavra, a bússola girou para um ponto ainda mais sensível: a mineração não pode ser compreendida apenas como mapa de jazidas e curvas de demanda — ela é, acima de tudo, um processo que envolve gente. E lembrou, com precisão rara no discurso técnico, que o direito ao desenvolvimento é um direito humano. Que falar de minerais críticos é, também, falar de acessibilidade, de dignidade, de redistribuição. E que nenhuma licença, nenhum plano de lavra, nenhuma política de fomento se sustenta se não estiver ancorada em um compromisso ético com o bem-estar coletivo.
As palavras de Mauro não foram discurso: foram aviso. A corrida pelos minerais críticos já começou — e é global, frenética, desigual. Mas se o Brasil quiser ser mais do que uma fonte de suprimento, terá de produzir também sentido, não apenas insumo. E isso exige uma mudança de mentalidade: de extrair para construir. De explorar para compartilhar. De crescer para redistribuir.
Raul Jungmann, diretor-presidente do Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM), situou a discussão em um plano ainda mais amplo: o da desordem mundial. Com a sobriedade de quem já ocupou as pastas da Defesa e da Segurança Pública, lembrou que vivemos tempos de fragmentação geopolítica, de conflitos latentes e de disputas por soberania mineral que escapam à diplomacia tradicional. E nesse cenário, o Brasil — destacou ele — não pode mais contentar-se com a condição de exportador de recursos brutos. É preciso assumir uma nova postura: a de protagonista de soluções.
Para isso, é preciso abandonar a herança do extrativismo colonial. Superar a lógica do passado em que entregamos ao mundo café, ouro e borracha sem termos antes transformado esses recursos em valor agregado. O setor mineral, disse Jungmann, deve chegar à COP30 com compromissos reais, com propostas viáveis, com responsabilidade climática. Mais do que uma fala, foi uma convocação.
A COP30 será realizada em Belém, na Amazônia — lugar de beleza, mas também de conflitos históricos. Lugar onde o discurso precisa encontrar a realidade. E é por isso que o Brasil precisa ir à COP30 menos com slogans, e mais com estruturas. Menos com intenções, e mais com articulação entre os Poderes, com respeito à ciência, e com uma agenda ambiental que não se submeta ao ciclo eleitoral.
Tudo isso — cada fala, cada gesto, cada silêncio do seminário — aponta para uma questão central: a mineração crítica só será viável se for legítima. E legitimidade, hoje, não se mede apenas por número de licenças emitidas, mas por processos inclusivos, por escuta verdadeira, por garantias jurídicas que não abandonem os superficiários, os territórios, os rios, os modos de vida que habitam as regiões mineradas.
Como advogadas, não vemos contradição entre segurança jurídica e proteção ambiental. Vemos exigência de maturidade. De uma maturidade que entenda que o Direito não está a serviço do mercado, nem da ideologia — está a serviço da Constituição. E a Constituição brasileira não autoriza crescimento sem equidade, nem produção sem respeito. Autoriza, sim, um país que se desenvolve sem rasgar seus fundamentos.
Se a mineração crítica pretende ser pilar da economia do futuro, precisa antes demonstrar sua capacidade de reconstruir a confiança pública no presente. Isso exige compromisso com o diálogo, com as comunidades afetadas, com os saberes locais, com as instituições públicas, e, sobretudo, com o rigor da legalidade e da justiça social.
Crescer não é apenas expandir produção — é integrar a responsabilidade social, ambiental e jurídica como parte indissociável do desenvolvimento nacional. É garantir que o avanço econômico alcance também quem está no território, quem vive da terra e sobre ela constrói sua história.
E talvez seja essa, no fundo, a pergunta que nos espera na COP30. Não apenas o que faremos lá, mas como vamos demonstrar maturidade política e ética diante do mundo. Com que voz falaremos. Com que coerência sustentaremos, perante os olhos atentos da história, aquilo que estamos escrevendo agora — com leis, decisões e práticas — sobre o futuro do país.
Seguiremos atentos. E ativos. Porque não se trata apenas de ocupar espaço. Trata-se de defender um caminho: é possível fazer diferente. É necessário fazer agora. E ainda é tempo.
