A mineração, em diferentes pontos do mundo, carrega um histórico marcado por acidentes do trabalho e doenças ocupacionais que acometem tanto empregados diretos quanto terceirizados.
Entre as causas mais recorrentes, podemos elencar fatores como a falha na adoção de medidas de segurança, o uso inadequado de equipamentos de proteção individuais e coletivos, a carência de treinamento contínuo e o despreparo para lidar com riscos inerentes ao ambiente de mina.
Porém, a questão se agrava quando observamos a precariedade das condições de trabalho enfrentadas pelos terceirizados, muitas vezes inseridos em contratos instáveis e com acesso limitado a ações preventivas ou a direitos laborais fundamentais. Essa distinção de tratamento entre o quadro efetivo e os subcontratados põe em risco a vida e a saúde desses trabalhadores, dos diretos e dos terceirizados, mas acaba também por gerar injustiças socioeconômicas que se contrapõem frontalmente ao Objetivo de Desenvolvimento Sustentável número 8 – ODS8, que ressalta a necessidade de trabalho decente e crescimento inclusivo.
No Brasil, particularmente no estado de Minas Gerais, onde se concentra grande parte das operações mineradoras, relatos de violações de normas de saúde e segurança se fazem presentes em processos julgados pelo Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (TRT-3).
Em diversas sentenças disponibilizadas nos portais desse tribunal, há registros de empregados terceirizados submetidos a jornadas extensas em minas subterrâneas, sem pausas adequadas para repouso ou alimentação, e sem treinamento sistemático para a utilização correta de maquinário. Não raro, trabalhadores alocados por meio de empresas terceirizadas relatam desconhecer até mesmo os planos de emergência e evacuação, ficando em situação de enorme vulnerabilidade diante de cenários críticos como explosões, desabamentos de rochas ou rompimentos de barragens. Esses incidentes, conforme mostram processos judiciais envolvendo mineradoras de grande porte, escancaram um problema estrutural: a deficiência de programas de prevenção que alcancem todos os níveis hierárquicos e tipos de contrato.
Enquanto os acidentes, por vezes dramáticos, se tornam notícia em portais de tribunais e na mídia, as doenças ocupacionais se alastram de forma silenciosa. Nos ambientes de mineração, a inalação de poeiras contendo sílica pode desencadear silicose, uma doença que afeta severamente a capacidade respiratória do indivíduo; a exposição prolongada a metais pesados, somada ao calor extremo e à elevada umidade, resulta em quadros clínicos que incluem intoxicações crônicas, problemas dermatológicos e, muitas vezes, desidratação acentuada.
Paralelamente, o ruído constante e as vibrações intensas nos túneis ou em áreas de perfuração levam a casos de perda auditiva irreversível, o que, em muitas situações, somente será detectado em exames periódicos ou quando o dano já está consolidado.
A legislação brasileira, por meio da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e das Normas Regulamentadoras, particularmente a NR 22, impõe obrigações às empresas para efetuar mapeamento de riscos, fornecer equipamentos de proteção individual e coletiva e promover treinamentos.
Todavia, a efetividade dessas medidas ainda depende de uma fiscalização rigorosa e de uma cultura de segurança que incorpore não só o discurso preventivo, mas também práticas cotidianas que integrem empregados diretos e terceirizados.
Ao lado desses problemas de natureza física, agravam-se as questões relativas à saúde mental. Trabalhadores que atuam em minas, muitas vezes localizadas em áreas remotas, vivenciam rotinas exaustivas e lidam com uma tensão permanente diante dos possíveis acidentes, pressões de metas, prazos curtos e ambientes muitas vezes insalubres. Esse desgaste psíquico, que atinge em cheio aqueles que recebem menos amparo e reconhecimento dentro da empresa, pode culminar em transtornos como ansiedade, depressão e síndrome de burnout. Os Terceirizados sofrem impactos muitíssimo mais relevantes e o desamparo patronal é o que mais se vê.
Em alguns casos julgados em Minas Gerais, constata-se que empregados terceirizados, já sobrecarregados pelas tarefas, não dispõem de acesso facilitado a atendimento médico, psicológico ou psiquiátrico, seja por falta de convênio ou por inexistência de ações efetivas no Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (NR 7) e no Programa de Prevenção de Riscos Ambientais (NR 9). Em termos globais, na África do Sul, na China ou em outros polos mineradores da América Latina, a precarização do trabalhador alocado por empresas subcontratadas segue a mesma lógica, resultando em problemas de saúde mental em larga escala, que se somam aos riscos físicos.
A legislação brasileira conta com subsídios relevantes na tentativa de equalizar parte dessas distorções. A CLT, alinhada a princípios constitucionais, exige isonomia de tratamento entre trabalhadores, sejam diretos ou não, e impõe ao tomador de serviços a responsabilidade de zelar pela integridade de todos que atuam em suas dependências.
As Normas Regulamentadoras, embora careçam de atualizações específicas para abarcar de forma mais robusta os riscos psicossociais, já fornecem diretrizes que poderiam ser aplicadas inclusive aos terceirizados, como o PCMSO (NR 7) e o PPRA (NR 9), apontando a necessidade de mapeamento de riscos físicos e psicossociais e de treinamentos com foco no manejo das condições de estresse, facilitadoras de acidentes, e na prevenção do adoecimento futuro, seja físico ou mental.
O grande desafio reside na aplicação efetiva dessas regras e no monitoramento sistemático por parte dos órgãos competentes, além de uma mudança cultural que exija das empresas o cumprimento estrito das obrigações legais. A NR 22, direcionada especificamente ao setor de mineração, também carece de abordagem explícita sobre fatores emocionais que afetam diretamente a segurança e a produtividade.
Em decisões do TRT-3, algumas companhias foram condenadas a indenizar funcionários por danos morais e materiais decorrentes de acidentes graves ou doenças profissionais adquiridas no ambiente de mina. Contudo, a indenização só ocorre após a ocorrência do agravo, demonstrando a importância de se avançar em práticas que impeçam o problema, sobretudo quando se trata da saúde mental, em que o sofrimento nem sempre é visível ou de fácil comprovação.
No Brasil, ainda o maior transtorno está nas indenizações. São processos longos e desgastantes para o trabalhador.
Nesse contexto, a implementação de programas de prevenção de riscos, sob todos os aspectos, deve ser encarada como obrigatoriedade ética e legal, não apenas um fator complementar de responsabilidade socioempresarial.
Ao incorporar avaliações periódicas de indicadores de estresse, rodízio de funções, capacitação de gestores para a escuta ativa e suporte psicológico, as empresas sinalizam um compromisso maior com o trabalho decente, sintonizado com as exigências globais do ODS 8. O trato das condições psicológicas do trabalhador tem-se mostrado cada vez mais urgente, diante do adoecimento exacerbado da sociedade, nos ida atuais.
Essa meta internacional prevê crescimento econômico aliado ao respeito à dignidade humana, algo que só será tangível se o setor de mineração, historicamente marcado por precariedades, assumir uma postura vanguardista no cuidado com seu capital humano.
O seu colaborador é humano, seja o empregado direto, seja o terceirizado. E como humano, deve ter sua dignidade respeitada.
A contundência dos exemplos brasileiros e estrangeiros aponta para uma realidade que não pode mais ser ignorada ou secundarizada. Em última análise, a precariedade vivenciada pelos trabalhadores terceirizados na mineração revela falhas estruturais que amparam a ocorrência de acidentes e doenças ocupacionais, tanto de ordem física quanto mental. Isso contradiz as normas nacionais e compromissos internacionais, além da ideia de que o trabalho deve ser um meio de realização pessoal e desenvolvimento econômico sustentável.
Se os processos judiciais demonstram violações sistemáticas, também indicam que a mobilização de instituições, sindicatos, profissionais de saúde e a própria sociedade pode ser o caminho para pressionar empresas a adotarem práticas efetivamente seguras, integrando todos os profissionais nas mesmas políticas de prevenção e proteção. As mineradoras que desejam perpetuar suas atividades sem relegar a saúde e a vida de seus colaboradores diretos e indiretos ao acaso devem, portanto, atualizar seus programas e reconhecer que a prevenção não é uma concessão, mas uma obrigação incontornável.
Somente assim será possível concretizar, na prática, o discurso de trabalho digno e sustentável que o ODS 8 preconiza e que a legislação brasileira, à sua maneira, há tanto tempo busca assegurar.
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