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Itabira: Vale tem semana de derrotas com sentença e paralisação de obra de descaracterização de barragem

Foto: Divulgação/ATI.FIP - Ação Civil Pública movida pelo MPMG obrigou a Vale a paralisar obras para a construção da ECJ2

 

A última semana foi cheia de boas notícias para as pessoas atingidas do Sistema Pontal, em Itabira, e de derrotas para a mineradora Vale. A empresa vem conduzindo obras preparatórias para a construção de uma segunda Estrutura de Contenção à Jusante (ECJ2), que integra o plano de segurança para a descaracterização e, futuramente, o descomissionamento do Pontal.

Essas ações foram determinadas porque a barragem está em nível 1 de emergência. Porém, os impactos das obras na vida das pessoas vizinhas ao local fizeram com que o Ministério Público entrasse com uma Ação Civil Pública contra a mineradora. 

Na noite da útima quarta-feira (11), a promotora Giuliana Fonoff informou à Assessoria Técnica Independente da Fundação Israel Pinheiro (ATI/FIP) que a auditora técnica (AECOM), que acompanha as atividades da Vale, recomendou a paralisação completa de “todas as atividades relacionadas às obras da Estrutura de Contenção à Jusante (ECJ) – Fase 02, do Sistema Pontal”. 

 “Essa determinação de paralisação vem a partir de uma nota técnica, que cita uma série de questões registradas pela ATI e relatadas à AECOM. A Vale precisa entender a importância de mudar a postura, e respeitar a governança estabelecida com o Ministério Público, com a interveniência da auditoria técnica. (…) Se insistir em continuar a agir de forma unilateral, como foi no passado, não vai dar certo. Hoje, temos a legislação e atores presentes, em tempo integral, em campo. A empresa precisa iniciar um diálogo com vista à reparação das pessoas atingidas, ao invés de jogar tudo na conta do judiciário, para protelar e adiar. Esse tipo de comportamento só tensiona a relação e onera mais o processo. Quanto antes a mineradora propor decisões mais definitivas, melhor para a própria empresa e para a comunidade, que sofre com o desgaste imenso de cada etapa da Ação Civil Pública”, explica Péricles Mattar, coordenador da ATI/FIP.

 Entenda o motivo da paralisação

A construção da ECJ2 é uma medida adotada pela Vale, a partir do Plano de Ação de Emergência para Barragens de Mineração (PAEBM) do Sistema Pontal. Esse documento estabelece ações imediatas a serem tomadas em caso de emergências envolvendo barragens, bem como prevê medidas para minimizar riscos às comunidades próximas. Os estudos técnicos elaborados para o PAEBM determinam a mancha de inundação considerando o pior cenário, que seria o rompimento da barragem. Para que essa mancha seja modificada, é necessário um novo estudo técnico e a atualização do PAEBM.

O que a Vale fez foi protocolar no Sistema Integrado de Gestão de Barragens de Mineração (SIGBM), mantido pela Agência Nacional de Mineração (ANM), uma mancha de inundação menor do que a prevista no PAEBM. “Ao protocolar a nova mancha no SIGBM, a Vale descumpriu ao menos três procedimentos que são obrigatórios: o Termo de Compromisso firmado com o Ministério Público; a realização dos estudos técnicos de ruptura para determinar a nova mancha e a atualização do PAEBM”, detalha Péricles Mattar.

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Máquina, usada para demolir casas de moradores que foram removidos, parada entre os escombros. Foto: Divulgação/ATI.FIP

 O que diz a AECOM e a Vale

Em sua nota técnica, a AECOM explica a paralisação:

“A AECOM ressalta que não foi informada, previamente, pela Vale a respeito da existência desta nova mancha do Sistema Pontal e tomou conhecimento apenas ao acessar o SIGBM. A comunidade próxima também não foi comunicada a respeito dessa alteração de mancha de inundação. (…) A AECOM reforça que a mancha disponibilizada no SIGBM, em 01 de abril de 2024, não foi objeto de análise da auditoria. Destaca-se que, em caso de revisão de mancha de inundação, os Estudos de Ruptura Hipotética deverão ser apresentados à auditoria, de forma a seguir o rito de governança previsto no Termo de Compromisso firmado junto ao MPMG. Dessa forma, a AECOM recomenda que a VALE paralise todas as atividades relacionadas às obras da ECJ – Fase 02, do Sistema Pontal, até que seja solucionada a questão referente a mancha nos diques Minervino e Nova Vista”. 

Em nota enviada à imprensa, a Vale explica que está trabalhando para a retomada das atividades, “que são fundamentais para a continuidade, com segurança para a comunidade e empregados, do Plano de Descaracterização de barragens a montante do Complexo Itabira, e mantém diálogo com o Ministério Público de Minas Gerais e equipe técnica independente, para resolução e retorno das obras. A Vale esclarece ainda que todas as ações tomadas estão em conformidade com a legislação vigente”, informou a mineradora.

Segunda derrota da Vale

No dia seguinte à paralisação das obras, em 12 de setembro, a empresa recebeu a notícia de que foi proferida, pela 1ª Vara Cível de Itabira, a sentença do processo que trata do descomissionamento e descaracterização das barragens do Sistema Pontal. O caso, envolvendo a Vale, reafirma a responsabilidade da empresa pelos danos causados pela perda de estabilidade das barragens e pelas obras em curso. A sentença determina uma série de medidas para garantir a reparação integral às pessoas atingidas e a proteção ambiental.

O juiz André Luiz Alves reconhece o descomissionamento como necessário e inquestionável, com a Vale sendo responsabilizada pelos riscos e impactos socioambientais decorrentes. Além disso, a decisão prevê a realização de uma perícia técnica independente para cadastrar as pessoas atingidas, avaliar danos, estabelecer valores de indenização e definir ações emergenciais, tanto coletivas quanto individuais.

Outro ponto de destaque da sentença é o reconhecimento do direito à Assessoria Técnica Independente (ATI), assegurado pela Lei Estadual de Política dos Atingidos por Barragens (PEAB). A decisão enfatiza que as tentativas da Vale de conduzir o processo de forma unilateral, sem a devida participação do Estado e das comunidades atingidas, são inadequadas e não substituem a supervisão judicial e estatal.

O que vem depois da sentença

Embora a sentença reconheça a validade dos acordos individuais já firmados entre a Vale e algumas pessoas atingidas, estes são considerados apenas um ponto de partida para reparações mais amplas. Os valores a serem pagos pela empresa serão definidos em uma fase posterior de liquidação da sentença, incluindo danos patrimoniais e extrapatrimoniais, como desvalorização imobiliária, moral coletivo e social, e a sobrecarga nos sistemas de saúde locais.

Caminhões da Vale circulando pelas terrenos onde, antes havia casas de moradores do bairro Bela Vista. Foto: Divulgação/ATI.FIP

A decisão do juiz também destaca a omissão e negligência da Vale na prestação de informações adequadas às pessoas atingidas, contextualizando a partir dos desastres-crimes anteriores, como os de Mariana e Brumadinho, para reforçar a gravidade da situação. Como consequência, a empresa será responsabilizada pelo dano moral coletivo, em razão da negligência, prejuízo ao patrimônio e à vida das pessoas, assédio de advogados, falhas no sistema de prevenção, poluição do ar e perturbação das pessoas.

“A decisão representa um marco na defesa dos direitos das populações atingidas e reforça a necessidade de transparência, participação e justiça no processo de reparação dos danos causados pelo descomissionamento das barragens do Sistema Pontal”, registrou a ATI/FIP, em comunicado emitido aos moradores dos bairros vizinhos ao local.

É importante ressaltar que ainda cabe recurso por parte da mineradora, que ainda não se pronunciou a respeito da publicação da sentença.

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