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Ação pede R$ 3,6 bilhões por danos causados a mulheres em decorrência de desastre de Mariana

Foto: Divulgação/ MPMG - Entidades pleiteiam indenização por danos morais coletivos gerados a mulheres em decorrência do processo de reparação pelo rompimento da barragem de Fundão, ocorrido em 2015; Ação ainda pede atualização de cadastros

 

Uma ação que corre na Justiça requer o pagamento de indenização de, pelo menos, R$ 3,6 bilhões pelos danos morais coletivos gerados a mulheres em decorrência do processo de reparação pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, ocorrida em 2015. A ação segue a linha do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero formulado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), cujas diretrizes se tornaram obrigatórias desde 14 de março de 2023.

Relatórios e documentos apresentados à Justiça comprovam que processo de reparação empreendido pela Samarco, Vale e BHP Billiton e executado pela Fundação Renova desrespeitou o princípio da igualdade material. Ação requer também, entre outros pedidos, o pagamento, pelas empresas, de indenização mínima de R$ 135.552,00 para cada mulher atingida pelos danos materiais causados pela violação sistemática aos direitos humanos e de pelo menos R$ 36 mil pelos danos morais sofridos

O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), junto com os Ministérios Públicos Federal e do Espírito Santo, em conjunto com a Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG), a Defensoria Pública do Espírito Santo (DPES) e a Defensoria Pública da União (DPU) ajuizaram a Ação Civil Pública (ACP) perante a 4ª Vara Federal de Belo Horizonte contra a Fundação Renova e as mineradoras para obter o reconhecimento da responsabilidade pelos danos ocasionados às mulheres atingidas pelo procedimento para reparação de danos.

Conforme divulgado pelo MPMG, a ação, protocolada na última sexta-feira (21), está baseada em uma perspectiva de combate à violência de gênero, demonstrando por meio de relatórios e documentos que as mulheres foram invisibilizadas e, portanto, prejudicadas por uma série de violações de direitos empreendidos pelas empresas e executado pela Fundação Renova, durante o cadastramento e o processo de reparação de danos.

Entre os pedidos apresentados à Justiça está o pagamento, pelas empresas e pela fundação de forma solidária, de indenização mínima de R$ 135.552,00 para cada mulher atingida pelos danos materiais causados pela violação sistemática aos direitos humanos, além de, pelo menos, R$ 36 mil pelos danos morais sofridos.

Ainda de acordo com o MPMG, um relatório sobre a situação das mulheres atingidas pelo desastre do rio Doce no Espírito Santo, elaborado pela Defensoria Pública e juntado à ação, denuncia a falta de integração entre as iniciativas de reparação e a rede de políticas públicas de atendimento à mulher.  O relatório ainda denuncia a inexistência de mesas de diálogo composta integralmente por mulheres e a exclusão da matriz de danos de atividades laborativas típicas de mulheres.

“Além disso, dados fornecidos pela Fundação Renova demonstram que, mesmo tendo um cadastro integrado, realizado por ela mesma, com quantitativo semelhante entre homens e mulheres, há reduzida participação da mulher já na oitiva para levantamento de dados primários”, diz o MPMG. “Apenas 39% das pessoas entrevistadas eram do gênero feminino e apenas 34% de mulheres foram elencadas como responsáveis economicamente pela casa”, cita a ACP.

De acordo com o MPMG, as instituições que assinam a ação destacam a importância do cadastro, “lembrando que ele representa a porta de entrada da Fundação Renova para os outros 41 programas de reparação ambiental e socioeconômica. “Assim, a ausência de participação das mulheres na coleta de dados na base da reparação trouxe efeitos danosos de caráter excludente e invisibilizador da realidade das mulheres antes e depois do desastre”, observam”, aponta o órgão.

Renova acusada de violar direitos

Conforme a ação, a utilização, pela Fundação Renova, do conceito de família patriarcal como única espécie de família foi apontada como a base da violação de direitos. Isso gerou para as mulheres, entre outros problemas, dificuldade de acesso aos seus dados pessoais inseridos na plataforma gerida pela fundação e também para requerer a correção dos incorretos, condicionando o ato à autorização de seus maridos.

“Ao assim proceder, a Fundação Renova e as mantenedoras revisitam o arcaico Código Civil de 1916, considerando, na prática, as mulheres incapazes de exercerem os atos da vida civil sem a supervisão do homem”, argumenta a ação.

Ainda conforme o MPMG, o aumento da sobrecarga doméstica, ligado a conflitos familiares e à saúde mental dos atingidos, também é mencionado na ACP, a partir de um relatório elaborado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) com dados da Ouvidoria da Fundação Renova. Parte dos relatos foi considerada muito graves e retrata, inclusive, tentativas ou intenções de suicídio.

“Para se ter uma ideia, dos 154 casos com relatos sobre questões de saúde mental, 71,4% também informam problemas de sobrecarga doméstica, muitos deles, inclusive, associando o desenvolvimento de determinada doença mental — a depressão, na maioria dos casos — às dificuldades associadas aos cuidados e afazeres domésticos”, aponta o documento.

Ação cita violência de gênero

A ACP ainda destaca que o processo de reparação do desastre do rio Doce vem, até agora, não apenas reproduzindo violências de gênero, mas também reforçando-as e aprofundando-as no território. Reivindica, em razão disso, que o Poder Judiciário corrija o caminho tomado até o momento.

“Os erros cometidos durante o processo de compensação e reparação ao longo desses quase 9 anos, dentre os quais se destaca a carência de ações afirmativas com recortes de gênero, devem ser reconhecidos, revertidos e combatidos, para que o curso mude de rumo e haja redução efetiva dos danos coletivos e sociais, que são ainda maiores dentro de grupos já vulnerabilizados por questões históricas e culturais”, recomenda a ação, que ainda destaca a “necessidade de se ter um olhar atento às interseccionalidades, especialmente em relação às mulheres negras, indígenas e de comunidades tradicionais, como as quilombolas”.

O MPMG informou, ainda, que as instituições que assinam a ACP pedem que as empresas e a Fundação Renova promovam, emergencialmente, a atualização, revisão e correção do cadastro de todas as mulheres cadastradas ou com solicitações de cadastro pendentes, a partir de requerimentos individualizados já apresentados e a serem apresentados pelas mulheres atingidas. “O objetivo é possibilitar a inclusão ou retificação de toda informação que seja necessária para fundamentar a sua elegibilidade e permitir o seu acesso direto ao Auxílio Financeiro Emergencial (AFE), ao Programa de Indenização Mediada (PIM) e ao Sistema Indenizatório Simplificado (Novel)”, diz a peça.

De acordo com o órgão, entre os pedidos de caráter liminar, estão ainda: que as requeridas apresentem em juízo todas as manifestações formalizadas na Ouvidoria da Fundação Renova e promovam “a atualização, revisão e correção do cadastro de todas as mulheres atingidas; que permitam a todas as mulheres cadastradas na Fase 01, prioritariamente, o acesso imediato ao AFE, PIM e NOVEL, de modo que a sanear as informações pendentes para o correto enquadramento na categoria pleiteada pela mulher; que realizem o pagamento integral, inclusive retroativo e atualizado, de todas as verbas devidas e não recebidas pelas mulheres atingidas; entre outros”, recomenda a ação.

Posicionamento

O CidadeseMinerais.com.br solicitou um posicionamento sobre a ação à Vale e à Fundação Renova. A mineradora informou que ainda não foi notificada sobre a ação, assim como a Fundação Renova, que, por meio de nota, reforçou “seu compromisso com a reparação e compensação dos danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão”.

Não conseguimos contato com a BHP, outra mineradora da qual a Samarco era subsidiária no ano em que ocorreu a tragédia. A reportagem será atualizada assim que houver manifestação.

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