Nesta semana vamos abrir espaço para novos colaboradores da coluna contarem histórias relacionadas à exploração mineral no estado do Pará. Os próximos três artigos trarão relatos, fragmentos de pesquisas e outras informações relevantes sobre a realidade da atividade e dos povos que moldam a cultura nesse estado que é um dos mais significativos polos de mineração no Brasil e no mundo. Fiquem ligados!
Por Adriana Lima e Marcos de Albano*
Memórias…
Lendas e mitos correm soltos pelo tempo e memória, não há lugares e povos que não possuam as suas, e quanto mais narrativas se proliferam, mais ou menos atraente se torna um lugar, contudo a nossa história, a história da região de Carajás e de seus minérios são reais em sua maior parte. Quando a narrativa diz que há ouro num lugar, então esse ouro desperta a ganância dos homens como o açúcar atrai as formigas. Formigueiro humano! Gente de toda a gente e de toda parte se achegaram para o coração de Carajás. Estavam ávidos para escalar a “montanha de ouro”. Foi questão de tempo, de pouco tempo.
No ano de 1979, o que era lenda se transformou em algo real, muito real, e diz-nos que na fazenda do senhor Genésio, um menino achou uma pedra que para ele era misteriosa, daquelas que os indígenas Tupi chamam de Itajubá. Porém, “menino” é curioso, é a imagem do “cão”, e a pedra foi levada ao fazendeiro e esse a remeteu para análise no município de Marabá.
Era ouro! Ouro! A notícia se espalhou como fogo na pólvora, um chamado a milhares de pessoas desempregadas num país com a inflação insuportável, e ainda vivenciando os flagelos de uma ditadura militar. Vieram as hordas de gentes de toda parte do Brasil e ao se olhar de perto via-se nelas a disposição em mudar de vida, mas ao se olhar de longe pareciam que eram formigas, um formigueiro brotado na grande montanha de ouro, montanha que as hordas escavaram, cavacaram, pelaram… Surgiu ali, no coração de Carajás, o garimpo, Garimpo da Serra Pelada, cravejado pelas silhuetas dos milhares que decidiram encará-la e que infelizmente acabaram, eu sua maioria, morrendo ou permanecendo na pobreza, enquanto pouquíssimos enriqueceram de fato.
Da Montanha de Ouro à Serra Pelada
Diziam que o lugar tinha tanto ouro que a montanha reluzia, diziam e dizem que ainda é o lugar do mundo onde mais se encontrou ouro, e que abaixo do lago que se formou na cava da antiga serra, há cerca de uma tonelada de ouro não extraída. Falam da “bamburrada ou bumburrada” (expressão popular em Serra Pelada para quem achava muito ouro, “tava” rico, “tava” feito) do Zé Maria e também de outro conhecido garimpeiro chamado de “Tonho”. Falam das farras nos cabarés, de avião fretado, de bebedeiras e rixas, de homens armados resolvendo as celeumas no braço, na faca, na picareta e na bala. “De dia 30, de noite 38”, assim se conhecia a vila que virou cidade, a vila do quilômetro 30, atual Curionópolis – “Curipa”. O que não falta é do que falar nessas bandas do sertão amazônico.
Curionópolis, a cerca de 30 quilômetros da Serra Pelada, era nela que se reuniam os garimpeiros para descansar do garimpo e resolver as intrigas, também para comer melhor e tragar as bebidas, afogar as mágoas, as feridas e gemer nas cabeceiras num colo de alguma mulher vendida, numa vida que mais parecia pirraça da ganância zombeteira sob os homens com desejos e sonhos de riquezas e grandezas, do que a tranquilidade de um “Eldorado”.
A vida ali era dura, violenta, perigosa, frágil, banalizada, e como ficou banalizada nas quedas das escadas no que antes era montanha e que depois virou fosso. Quantos ali se desequilibraram ou foram desequilibrados e, com grande tristeza no início foram lembrados e falados nos bares e salões como aqueles que caíram para a morte, todavia, amiúde caíram muitos e muitos outros homens no fosso da antiga montanha (Serra) de tal maneira repetida que geraram a expressão: “Adeus, mamãe”. Mais um modo de falar, e já era mais uma morte, mais um morto, agora tão comuns que ninguém mais chorava noite a dentro, até ignorava-se o fardo da vida perdida, nada de comoção. Na lei do garimpo, ninguém mais chora a morte, somente a falta de ouro.
Sob o canto do Curió
A balbúrdia era tanta que o governo decidiu intervir, mas claro que não foi somente por isso, afinal se falava de gente ali que havia encontrado mais de 200 quilos de ouro de uma só vez, como uma espécie de nova “Minas Gerais” com suas pepitas de ouro reluzentes. Óbvio que o governo viria taxar, dar uma de Coroa Portuguesa, e veio. Designou, para tanto, o Major Curió para comandar a região e ele cantou alto – Major Curió… Curionópolis… Fácil de perceber e entender -, passou a emitir ordens sobre o garimpo e os garimpeiros, baniu as mulheres de lá, mostrou o caminho para a negociação do ouro extraído com a Caixa Econômica Federal. Agora já era, estava tudo sendo estatizado, quem bamburrou, bamburrou, quem não, não bamburra mais!
A ordem foi sendo estabelecida e o “30/38” virou Curionópolis de vez, Curipa. Já a “montanha de ouro” foi sendo reduzida até virar um grande fosso (cava), que de tão profundo ao seio da superfície dantes verdejante se distanciou, atingiu e furou o olho, olho d’água, e o que outrora era montanha/serra e depois fosso, agora é um lago “mercurizado”, O Olho de Mercúrio, o lago envenenado.
Eita década de 1980 pesada de inflação, com resquícios moribundos do “milagre econômico” denunciado e ironizado pelo grande Raul Seixas em Ouro de Tolo, o mesmo Raul Seixas que também cantou para garimpeiros na década perdida e despejada nas costas dos trabalhadores brasileiros com crueldade. Não à toa a lenda da montanha de ouro atraiu milhares, os quais trouxeram seus sonhos de riqueza e de grandeza. Eram tantos e foram tantos enterrados no coração de Pacacu (Parauapebas, Canaã e Curionópolis), porque o sol nasce, mas aqui ele não brilha para todos, aqui é o Pará e tudo é bem mais difícil para quem quer viver onde não se conhece o Império da Lei, como versou Caetano Veloso: “O Império da Lei há de chegar no coração do Pará”.
Na legalidade…
Na Serra Pelada, a exploração de minério se deu de maneira organizada a partir da criação em janeiro de 1980 do Garimpo de Serra Pelada, o qual passou a ser administrado pela COOMIGASP – Cooperativa de Mineração dos Garimpeiros de Serra Pelada. A partir de 1984, tornou-se legalizado nos termos da Lei nº 7.194/84. Desde o final da década de 1970, crescia a exploração de recursos minerais na Amazônia, a ponto de o então ministro de Minas e Energia, Shigeaki Ueki, declarar que pagaria a dívida externa brasileira com o produto da extração. O governo também via Serra Pelada como uma espécie de válvula de escape para os conflitos sociais da região. Geograficamente, aquela “ferida aberta na selva” localizava-se perto tanto do semi-árido nordestino quanto do norte de Goiás – hoje estado do Tocantins – e de Mato Grosso. Assim, o garimpo poderia absorver as levas de lavradores nordestinos, principalmente maranhenses e piauienses, vitimados pela seca. Serviria também para aliviar a tensão resultante da luta pela terra travada entre grileiros e posseiros nos estados ao sul do Pará. Além disso, a região passou a ser alvo de migrações de contingentes provenientes do centro-sul do país, pois representava uma nova alternativa para a recessão que se seguiu ao “milagre econômico” da ditadura militar.
Mais de vinte anos depois do auge da produção – em 1983, foram quase 14 toneladas de ouro, segundo dados do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) –, Serra Pelada ainda alimenta a esperança dos 6 mil moradores que ali permanecem. A mesma fé move os quase 40 mil que também participaram da exploração, mas que hoje estão espalhados pelo território brasileiro. Desde 10 de setembro de 2002, eles passaram a ter motivos mais fortes para acreditar que a espera por alguma solução para o garimpo está próxima de terminar. Nessa data, o Senado promulgou o decreto legislativo que revogou a instrução do governo Fernando Collor que determinava o tombamento de Serra Pelada pelo Instituto Brasileiro do Patrimônio Cultural, em 1992. Com a aprovação do decreto, volta a vigorar a lei 7.194, de 1984, que estabelece a criação de uma reserva de 100 hectares, cuja administração caberia à Coomigasp, dentro da área pertencente à Companhia Vale do Rio Doce (CVRD). Na prática, isso significa que o garimpo, de uma vez por todas, é dos garimpeiros – o que representa uma vitória na luta que se iniciou já nos primeiros anos da exploração manual de Serra Pelada.
A reserva garimpeira foi criada por ato administrativo do então presidente João Baptista Figueiredo, em 1982, e permitia sua exploração por um ano, mediante o pagamento de uma indenização à CVRD. Pressionado por Curió, que dirigia o garimpo na época, o presidente renovou a concessão até o final de 1983. Após a recusa de Figueiredo em estender o prazo de exploração até 1984, Curió, já como deputado federal, conseguiu a aprovação da lei 7.194, que garantiria definitivamente o direito de lavra dos 100 hectares aos garimpeiros. “Foi essa lei que também criou a cooperativa, a única empresa detentora dos direitos minerais e de administração na área”, explica Curió.
A lei vigorou até 1992, quando foi abolida por uma instrução do Ministério da Infra-Estrutura, na gestão Collor. Ao contrário do que acontecia em 1980, no início da exploração em Serra Pelada, quando os garimpeiros não abriam mão do direito à lavra manual, hoje a mecanização se tornou consenso. Seria impraticável, com as técnicas e os instrumentos rudimentares dos garimpeiros, drenar toda a água que atualmente ocupa a cava e remover o imenso volume de rejeito – barro retirado da área explorada que não foi garimpado – é algo ineficaz de se realizar sem maquinário e tecnologia. “Manualmente, já não há mais condições de explorar a área. É até desumano”, atesta Manuel Naves, goiano de 56 anos, que “tocou barranco” – expressão usada para designar aqueles que gerenciavam a produção – e hoje é dono de um restaurante em Curionópolis. “A mecanização, de forma que todos aqueles que trabalharam na extração recebam dividendos proporcionais ao que for explorado, é o melhor futuro para Serra Pelada”, conclui João Amaro Lepos, ex-presidente da Coomigasp. Ainda assim, muitos garimpeiros continuaram em busca de ouro, mesmo após a proibição oficial. Até hoje, ao redor do grande lago que inunda a cava, espalham-se diversos tipos de lavra, cuja produção é insignificante.
Em Serra Pelada, a associação entre miséria e violência é mais evidente do que em qualquer outro lugar do mundo. “Cheguei aqui em 1980, com 25 anos.” Hoje, aos 48 anos, Amadeus Fernandes, cearense de Antonina do Norte, conta que passou três anos como meia-praça – garimpeiro que trabalha em troca de uma porcentagem do ouro retirado. O barranco que explorava chegou a dar 500 quilos do metal. Fernandes reinvestiu na cava todo o dinheiro que ganhou. Com o fim do garimpo, ficou sem um centavo. Somente em 1994, Fernandes veria ouro novamente. Foram exatamente 70 gramas, retirados de um barranco que explorava em sociedade com um amigo. Esse achado despertou a cobiça alheia e, como consequência, ele foi esfaqueado três vezes enquanto dormia. “O sangue, perdi quase todo”, relembra. Ao contrário das expectativas iniciais, Serra Pelada, longe de solucionar conflitos, tornou-se fonte de mazelas sociais. O ouro da Amazônia, em vez de servir para pagar a dívida externa brasileira, acabou gerando um débito interno muito maior.
Com o fim da exploração da cava, a vila ficou sem nenhuma fonte de geração de renda ou emprego. “Eu mesmo me pergunto como sobrevivemos e não sei a resposta”, diz Daniel Pereira. “Nós não vivemos socialmente, mas miseravelmente”, completa José Lopes. Com exceção daqueles que possuem pequenos comércios, a única forma de sustento é o cultivo de frutas. Para reverter esse quadro, não somente em Serra Pelada, mas em toda a região que aqui os autores chamam carinhosamente de Pacacu, novamente enfatizamos, a legalização das atividades mineradoras, com ênfase no direito minerário, é primordial para se alcançar melhorias aos habitantes da região.
No bojo da luta contra os garimpos ilegais, o direito minerário é de importância gigantesca para impor uma exploração sustentável; além de cada vez mais elucidar que o minério está em quase tudo, e isso ainda nos faz capazes de diminuir o preconceito que existe sobre a atividade mineradora, a qual é vista muito mais pela ótica da lógica ensandecida da expansão capitalista sem precedentes, do que pelas oportunidades de emprego e renda que pode gerar a partir da empregabilidade adventícia da diversidade econômica. Logo, falta à mineração maior exposição da legislação que lhe rege, demonstrando como essa atividade é útil e vital ao país e ao mundo. Ampliar o horizonte de conhecimentos sobre o direito minerário é promover o estabelecimento de um diálogo mais prático com a sociedade. Com efeito, essa iniciativa permite um melhor desenvolvimento da tese da mineração, redução das antíteses e aumento das sínteses sobre o tema. A mineração não deve ser vista apenas como vilã, mas sim como alternativa econômica fundamentada como “comoditie”, porém com caráter de responsabilidade ecológica, sustentável e rentável.
Diferentemente do primeiro boom da economia mineradora no Brasil, a qual serviu mais como instrumento de sociabilidade econômica no país do que inserção dos atores sociais na economia, atualmente essa inserção precisa ser melhor direcionada pelas iniciativas pública e privada. Como tem sido em grande parte dos projetos implantados na região, com reconhecimento de direitos trabalhistas e planos de carreira. Podemos destacar, por conhecimento local, que a Vale cumpre com os direitos trabalhistas na região, mas ainda há espaço para mais, especialmente no que tange a Agenda Verde.
Além disso, as relações de trabalho não comportam mais a condescendência com precarizações em diversas áreas, o século XXI é matriz da 4º Revolução Industrial e exige mais e mais transparência em tudo. Estamos num momento histórico em que o capital ainda atua muito como uma vertente centrífuga isolada, visando o pleno domínio global das relações socioeconômicas, embora os sinais de mudança estejam aparecendo com a cartilha ecológica, ainda é pouco o que tem sido feito. A COP 30 está aí para explanar sobre a região Norte do Brasil, afinal o Pará não seria a nova “Minas Gerais?”
A lógica interna da mineração é ainda compulsiva em se disseminar por todos os lugares do planeta, seu capital produziu e produz uma forma de sistema global plenamente integrado. O modo de produção e de consumo capitalista tornou-se dominante em todos os continentes – e não parece que irá entrar em derrocada tão cedo por qualquer outro modus operandi de economia do capital -, então o que nos cabe é trabalhar com as melhores ferramentas de que dispomos, e elas estão nos anais da legislação, e nesse caso específico, no direito minerário. Estamos diante de uma capacidade produtiva inimaginável em qualquer tempo e nunca vista em qualquer época. Como enfatizou Josemira Gadelha, vice-presidente da AMIG e prefeita de Canaã dos Carajás em entrevista concedida aos autores deste artigo, em abril de 2024.
“As mineradoras têm seu espaço, mas elas precisam estar atuando de maneira legalizada, considerando a legislação minerária. Notar o cenário e enxergar como um forte aliado o setor público e privado, para que essas mineradoras atuem de forma correta. Então, o direito minerário, essa legislação, ela é pouco conhecida e basicamente as leis no Brasil são muito boas, muito bem escritas, a dificuldade está em cumpri-las. As pessoas têm um apelo para a garimpagem ilegal ou basicamente chegam aqui na região sem formação, e aí aumenta essa questão social, aumenta essa demanda e acabam sendo, algumas vezes, aliciados de maneira mais fácil, por exemplo, para trabalhar de forma ilegal, causando prejuízo ambiental e econômico gigantescos.”
Entrevista concedida diretamente de seu Gabinete
No Brasil, praticamente todos os municípios têm incidência da mineração, seja ela em grande, média ou pequena escala. São mais de dois mil municípios mineradores que recebem a Contribuição Financeira para a Exploração Mineral (CFEM), imposto pago pelas mineradoras. Entretanto, quase mil cidades ainda mantêm garimpos ilegais e em Parauapebas, Canaã dos Carajás e Curionópolis não é diferente. Isso atrapalha o desenvolvimento legalista da atividade e ainda promove o ouro para lavagem de dinheiro, como praticado pelo narcotráfico no Brasil, utilizando-se da fragilidade da fiscalização do ouro, o crime organizado aproveita o ouro de garimpos ilegais para lavagem de dinheiro e financiamento de outra cadeia de crimes.
Diante disso, novamente destacamos que o direito minerário urge para auxiliar na regulamentação das atividades minerárias, e sem dúvidas pode dar grande aporte de recolhimento à União, Estados e Municípios, além de promover desenvolvimento sustentável e garantir empregabilidade e benefícios à população. Importante ainda salientar que, a partir dessa economia muitas outras podem se desenvolver de modo legalizado, o que gera uma diversificação econômica plausível e assertiva para as localidades exploradas de maneira correta.
“Pacacu” ainda engatinha, não na exploração dos seus recursos, mas sim na diversificação econômica, nas jornadas que devem conduzir à construção de cidades melhores, mais arborizadas, convidativas ao turismo ecológico, geradora de qualidade de vida e não apenas de trabalho, falta-lhes um maior suporte à pavimentação urbana e rural, falta-lhes sustentação às artes, à educação, à saúde e à segurança, falta-lhes gestão de qualidade, só não falta dinheiro.
O Tudo que falta (Adriana Lima)
Entre idas e vindas, entre risos e choros,
Entre o Amor e o Ódio, não vê que estou a lamentar-me?
Entre ir e ficar optei pelos dois.
Indo e voltando eu sigo a sonhar.
Entendo que diante da escassez do que me falta preencher,
Não me falta nada, tudo tenho em excesso.
E quando eu murmuro, arrependo-me,
Ajoelho-me e em oração eu peço perdão.
Eis o que me alimenta: o Amor por essa terra.
A terra para a qual fui trazida por meus pais.
Faz-me ter esperanças demais.
E o que é a esperança senão esperar por um amanhã melhor?
Eu estou, na verdade, cansada de esperar, quero realizar.
Sou da terra do ouro, da riqueza, então o que me falta?
Falta o que não está debaixo da terra.
Mas sim o que anda sobre ela,
A qualidade de vida que nenhum ouro pode comprar
E nenhuma prata pode pagar.