A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por meio de parecer, definiu que somente a Defensoria Pública de Minas Gerais pode verificar eventual descumprimento do termo de ajustamento de conduta (TAC) firmado com a Vale S.A. para regulamentar indenização no caso do rompimento da barragem da mineradora em Brumadinho, em 2019. O parecer também define que a defensoria é a instituição legitimada para exigir a sua execução.
O TAC regulamenta a indenização extrajudicial dos atingidos pelo rompimento da estrutura da mina do Córrego do Feijão, quando 272 pessoas morreram soterradas pela lama de rejeitos. O incidente também causou a contaminação da Bacia do Rio Paraopeba, impactando comunidades de dezenas de cidades ribeirinhas.
De acordo com o STJ, o colegiado aplicou a jurisprudência da corte segundo a qual, em regra, apenas os órgãos públicos legitimados para firmar o TAC e fiscalizar seu cumprimento podem executá-lo. No caso em julgamento, uma das vítimas ajuizou ação contra a Vale para executar o TAC firmado com a Defensoria Pública mineira pleiteando receber R$ 100 mil em razão dos danos psicológicos sofridos em decorrência da tragédia.
Ainda de acordo com o STJ, o pedido foi indeferido em primeiro grau, mas o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) – estado onde a ação foi proposta – julgou a ação procedente, reconhecendo a legitimidade da autora para ajuizar a execução. Para o tribunal, a Defensoria funcionou como mera substituta processual das vítimas, que seriam as reais legitimadas.
Ao STJ, a mineradora argumentou, entre outras situações, “que a autora da ação não teria legitimidade, já que não fez parte da relação jurídica”.
Parecer aborda legitimidade para fiscalizar
O ministro relator do recurso no STJ, Ricardo Villas Bôas Cueva, entendeu que a execução de qualquer acordo pressupõe que ele tenha sido descumprido, caso contrário não haverá necessidade de que seja exigido em juízo. “Em regra, quem pode responder se o acordo está sendo ou não cumprido são os órgãos responsáveis pela fiscalização de sua execução”, disse.
O relator lembrou o precedente da Primeira Turma, que entendeu que os termos de ajustamento de conduta “somente podem ser executados pelos órgãos públicos competentes para celebrá-los, até mesmo porque são eles os responsáveis pela fiscalização do mesmo”.
Ainda Segundo o ministro relator, o TAC em questão “trata de uma obrigação de fazer, relativa a viabilizar acordos extrajudiciais entre a Vale e as vítimas de danos materiais e morais decorrentes do rompimento da barragem que tenham interesse nessa via de resolução de conflitos e sejam assistidas pela Defensoria Pública”. Assim, o cumprimento do acordo seria verificado em reuniões mensais entre os signatários.
No entendimento do ministro, a parte lesada não teria como verificar o descumprimento do termo de compromisso “se a Vale S.A. está comparecendo às audiências para formulação dos acordos com pessoas com poderes para firmá-los, ou se os acordos com outras vítimas estão obedecendo aos parâmetros financeiros previstos, nem mesmo para exigir o seu cumprimento”, disse.
Cueva ainda argumentou que, embora o TAC trate da reparação extrajudicial para as vítimas e os seus familiares – direitos individuais homogêneos que poderiam ser executados pelas pessoas lesadas –, ele não cuida de obrigação de pagar quantia certa, mas sim estabelece parâmetros financeiros para a celebração dos acordos.
“Eventual inexecução do termo de ajustamento de conduta somente poderia ser verificada pela Defensoria Pública e daria ensejo à execução de uma obrigação de fazer, com a fixação de multa cominatória, de modo a ser novamente viabilizada a realização de acordos extrajudiciais com a assistência da Defensoria dentro dos parâmetros financeiros eleitos”, afirmou.
O relator ainda ponderou que, na hipótese, como não está previsto no TAC um direito de titularidade da autora da ação que teria sido descumprido, não há como reconhecer sua legitimidade para propor a execução. O acórdão na íntegra pode ser consultado pelo link.