A comunidade de Lobo Leite, distrito de Congonhas, cidade minerada da região Central de Minas Gerais, comemorou nesta quinta-feira (9) a volta da imagem de São Benedito roubada há quase 30 anos da Capela de Nossa Senhora da Soledade. Uma grande festa, com a participação de aproximadamente 200 pessoas, foi realizada para receber a imagem do santo considerado padroeiro dos cozinheiros. A devolução foi possível graças a ação do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), que a identificou por meio de denúncia em um site de leilões.
Ao chegar em Lobo Leite, a imagem de São Benedito foi escoltada por veículos da Polícia Militar, Guarda Civil e MPMG, até chegar à capela de origem, sob aplausos da comunidade, ao som de banda de música e apresentação de guarda de Congado. Após a entrega da peça, uma imagem de madeira policromada do século XVIII, foi celebrada uma missa pelo padre Geraldo Barbosa, responsável pela Paróquia de Nossa Senhora Mãe da Igreja, a qual pertence a Capela de Nossa Senhora da Soledade.
Estiveram presentes o promotor de Justiça Marcelo Maffra, à frente da Coordenadoria das Promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico de Minas Gerais (CPPC); o promotor de Justiça de Congonhas, Vinícius Alcântara Galvão, o prefeito de Congonhas, Cláudio Antônio de Souza; Paula Carolina Miranda Novais, servidora do MPMG, especialista em cultura e arte; representantes da Polícia Militar, Defesa Civil, entre outros servidores públicos.
O momento causou comoção à moradora Efigênia da Conceição Ferreira, de 84 anos, que desde os 3 anos mora em Lobo Leite. “É uma vitória para a comunidade. Estamos muito agradecidos a todas as autoridades que ajudaram a trazer a imagem. Sentimos muito a falta de São Benedito e ainda sentimos pelos demais que ainda não voltaram, com as de Santa Efigênia e Nossa Senhora da Soledade”.
O promotor de Justiça Marcelo Maffra classificou o momento como dos mais importantes da carreira: “Agradeço imensamente a essa força de acolhida que simboliza o retorno do São Benedito para a comunidade. Que a partir da divulgação desse caso, nós possamos receber mais informações sobre as outras peças que ainda estão desaparecidas. A sociedade e por isso cada um de vocês. A participação da sociedade é extremamente importante nesse processo permanente de vigilância do patrimônio cultural.”
“Devemos ao Leandro, que infelizmente não pôde estar aqui hoje, quando identificou essa imagem no site de leilões e a partir daquele momento, a comunidade se mobilizou para acolher São Benedito. A imagem é muito venerada no Brasil. É uma peça que resgata a cultura negra através dessa manifestação bonita do povo”, afirmou o padre Geraldo Barbosa.
“Benedito lembra esse descendente negro que abraçou com toda humildade a missão do ideal de Francisco de Assis. Eu creio que é o espelho que a comunidade procura viver com humildade, com serenidade, mas com garra também quando as coisas fogem do controle”, finalizou o padre.
Imagem interceptada em site de leilão
Em abril deste ano a Coordenadoria de Patrimônio Cultural recebeu uma denúncia via “Sondar” informando que uma imagem de culto coletivo estava sendo anunciada em site de leilões. Foi encaminhado pelo denunciante o link oferecendo a peça em Belo Horizonte, em leilão previsto para o dia 17 de abril.
Conforme divulgado pelo MPMG, no dia 12 de abril, o setor técnico da Coordenadoria elaborou parecer sobre a denúncia. Embora estivesse sendo ofertada como “Santo Elesbão”, confirmou-se tratar-se de uma imagem de São Benedito. Em consulta ao “Sondar” verificou-se que a peça estava cadastrada no Sistema como desaparecida. Também constava nas fichas de bens desaparecidos do Instituo Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha).
Ainda de acordo com o órgão, a análise dos registros evidenciou a correspondência das características visuais e formais, assim como as proporções da peça objeto de denúncia e a que foi furtada do município de Congonhas. Diante dos fatos, o MPMG sugeriu que a imagem fosse imediatamente retirada do leilão e o comerciante apresentasse informações sobre a peça.
O Ministério Público solicitou ainda que fosse viabilizado o acesso físico à peça, para fins de realização de trabalhos/estudos periciais. Ainda no dia 12 o comerciante recebeu notificação para retirada da peça do leilão. Três dias depois a imagem foi entregue na sede da Coordenadoria. No dia seguinte, moradores de Lobo Leite estiveram em Belo Horizonte e fizeram o reconhecimento do bem. Após a comprovação definitiva de que a escultura pertence ao município de Congonhas, foi determinado que ela retornasse ao seu local de origem e procedência.
Peças sacras furtadas em 1981 e 1996
Segundo a CPPC, das sete imagens sacras furtadas em 1996 quatro já foram recuperadas: São Benedito, São José, Santo Antônio e Nossa Senhora das Dores. Outras três seguem desaparecidas: Nossa Senhora da Soledade, São Joaquim e Santa Efigênia.
Há outro registro de furto ocorrido em 1981 na Capela de Nossa Senhora da Soledade, construída na primeira metade do século XVIII e tombada em 1978. Na ocasião foram subtraídas coroas de prata, cálice, âmbula e algumas imagens sacras, entre elas as de Nossa Senhora da Conceição e São Sebastião Pequeno.
Essas duas peças estão catalogas no “Sondar”. Lançada em 2021, a plataforma reúne objetos mineiros desaparecidos, recuperados e restituídos e pode ser acessada pela internet, por meio de computador, tablet ou celular. Ela disponibiliza um acervo de cerca de 2.500 bens culturais mineiros, como documentos e peças de arte sacra. Desde que foi lançado o sistema já ajudou a identificar ou recuperar mais de 700 bens.