Por José Sana
Tudo começou em insistentes conversas ao pé do ouvido com o embaixador do Brasil em Portugal, meu conterrâneo, amigo saudoso José Aparecido de Oliveira. Ele foi quem me propôs contar a história de seu tio Clodomiro Augusto de Oliveira. Nossos bate-papos culturais se davam onde nascemos e nos encontrávamos: São Sebastião do Rio Preto, onde nascemos, Conceição do Mato Dentro, de onde pouco saía, Belo Horizonte, Rio de Janeiro e até Lisboa – Portugal.
Agora, vejo a versão fac-símile do livro “A Concessão Itabira Iron”, de autoria de Clodomiro, lançada pela Associação das Cidades e Minerais de Minas Gerais e do Brasil (Amig), cujo seu presidente, José Fernando Aparecido de Oliveira, prefeito de Conceição do Mato Dentro e filho de José Aparecido, inspira-me pelas coincidências. Ou seria mesmo o destino que nos traz novos encontros?
Juntando as duas épocas, de Clodomiro de Oliveira e a de dirigentes da Amig, vejo que, primeiramente, foi plantada na cabeça de estudiosos, historiadores, jornalistas, professores, mestres, doutores uma tática de obter a melhor visão do futuro para não somente Itabira, mas todos os municípios brasileiros, e os que pretendem ser.
ORIGEM
Vou tentar elaborar uma resenha da estupenda obra de forma muito humilde e resumida, para que possam entender os fascinantes olhares de Clodomiro, personagem especial, nascido e vivido nos séculos XIX e XX. Uma sequente citação e colocação de termos em seus devidos lugares destaco:
— Clodomiro de Oliveira era secretário de Agricultura, Comércio, Indústria e Viação do presidente de Minas Gerais, Arthur Bernardes. Em seguida, ministro de Bernardes, quando esse se tornou presidente do Brasil.
— Concessões, negativas, leis, decretos, normas, permissões, autorizações, facilitações, auxílios, contratações, atenções para o que diz a concessão da Itabira Iron Ore Company, empresa ligada à Companhia da Estrada de Ferro Vitória a Minas. Clodomiro de Oliveira não era simplesmente um secretário de Estado, mas ele opinava, aceitava opiniões, divergia, convergia, enfim, era um executivo de ações.
— A Concessão da Itabira Iron Company, no contexto, significa o seguinte: ela, com todas as suas permissões e atos proibitivos, termina no poder de Clodomiro Augusto de Oliveira, secretário da Agricultura, Comércio, Indústria e Viação da Presidência do Estado de Minas, assessorando Arthur Bernardes.
— Houve um documento inicial, determinando logo no início das negociações com a interessada em penetrar em terras brasileiras em busca de riquezas, a Itabira Iron. Foi solicitada, pelo Ministério da Viação à Presidência do Estado, a elaboração de uma análise da situação de presença de minerais no Brasil. No primeiro relance, eis que Clodomiro de Oliveira constata que os países listados para negociações não eram possuidores de indústrias siderúrgicas e seriam automaticamente vetados. A condição para fazer negócios — sine qua non — tinha de ser com países desenvolvidos. Quem todas as decisões tomava era ele, o secretário Clodomiro de Oliveira.
DESCOBERTA
— O presidente dos EUA, Franklin Delano Roosevelt, em Estocolmo (Suécia), determinou, em congresso, na primeira década do século XX, fosse empreendido estudo minucioso sobre o potencial do minério de ferro no mundo.
— Resultados surpreendentes apontaram o Brasil, ou Minas Gerais, ou Itabira (antiga Itabira do Mato Dentro) o ponto exato de um sonho não sonhado por brasileiros, mas estrangeiros: Itabira (e outros municípios de menor porte) abrigava a maior concentração de minério de ferro do globo terrestre. A hematita do Cauê brilhou na Suécia com seu azul tradicional.
— Não é difícil saber e entender que vários país convergiram-se para o Brasil, enquanto os brasileiros ou mineiros, ou itabiranos “conservaram-se indiferentes. “Daí o preço irrisório” que comandaram as negociações.
— O secretário, autor de vários relatórios, que resultaram neste livro, por encomenda do presidente do Estado, Arthur Bernardes, observou que os levantamentos desenvolvidos por cada equipe, embora superficiais, tinham o destaque de ser as impressões processadas em vários idiomas. E se convergiam quase que para o mesmo destino: Itabira do Mato Dentro.
— Observados por Clodomiro de Oliveira os estudos de Orville Derby e Gonzaga de Campos, nomeados fiscais e descobridores, seguiram pontuando as preferências ou negativas a solicitações de negócios. A questão da criação de uma companhia siderúrgica de grande porte continuou sendo uma notável exigência de brasileiros e mineiros e itabiranos, salvo algumas distrações sobre preços baixos na venda de terras.
— Após idas e vindas, discórdias e concórdias, em maio de 1920, representantes da EFVM assinaram contrato com a Itabira Iron Ore Company para execução, por conta própria, de obras exigidas pelo Governo como melhoramentos integrais da ferrovia.
— Importante instante desta história: o presidente do Estado, Arthur Bernardes, por meio da atuação reta e correta de Clodomiro de Oliveira, interrompeu as negociações com o Governo Federal, voltando a passar pelo crivo mineiro as negociações e decisões.
INFINITO
Falamos do patrimônio moral, intelectual, de valor altíssimo de Clodomiro de Oliveira e agora vamos provar a que ponto ele chegou em sua visão do futuro, principais resultados deste legado:
— Itabira é rica, ou melhor, riquíssima, em inteligências para planejar o futuro, seguindo os traçados de Clodomiro de Oliveira. Anexem-se a essa informação as riquezas minerais incalculáveis. Pois eis que dependiam e dependem de técnicas cada vez mais evoluídas.
— No Acordo de Washington (01/06/1942) foi consumado o prejuízo itabirano. Havia um movimento de políticos e empresários que defendiam a construção da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) em Itabira; Israel Pinheiro lutava por Governador Valadares. Mas com o presidente dos EUA, Franklin Delano Roosevelt, Getúlio Vargas, presidente-ditador brasileiro, entregaram para Volta Redonda, no Estado do Rio de Janeiro, o sonhado e prometido para Minas, o empreendimento.
— Leiam o que o escritor Allisson Mascarenhas Vaz registrou em seu livro — “Israel, uma vida para a história” — em 1996, sobre o primeiro presidente da Vale: “Israel sonhava transformar o Vale do Rio Doce no Ruhr brasileiro, trazendo para Governador Valadares a CSN”. Diz, a seguir o autor: “Na realidade, o estratagema de Israel Pinheiro não deu certo. Vargas, pressionado pelo seu genro, Amaral Peixoto, que a siderúrgica fosse instalada no Estado do Rio de Janeiro, do qual era interventor”. Nepotismo derrota também Itabira.
— A Vale quase morreu aos três anos de idade. Relatou Fernando José Gonçalves, em sua autobiografia “A vida que Deus me deu” (2002). Terminada a Segunda Guerra Mundial, a então CVRD, fundada em 1942, perdeu todo o mercado internacional, recuperado, mais tarde, por Eliezer Batista.
— O ex-prefeito, depois ex-deputado federal, Olímpio Pires Guerra, Li, contratou pesquisas inovadoras da empresa Veloso & Gontijo e entrou com processo contra a mineradora com vistas a entendimentos jurídicos. Determinada, matematicamente, a dívida histórica da Vale com Itabira, hoje o processo se encontra na Bolsa de Valores dos Estados Unidos. O levantamento, com a visão de 50 anos de exploração (hoje são 81), mostra um passivo ambiental de R$ 1,085 bilhão, em agosto de 1996. O prefeito atual de Itabira, Marco Antônio Lage, informou, em janeiro de 2021, início de sua gestão, que consultara a Bolsa de Valores dos Estados Unidos e concluiu que a empresa Vale S.A. devia mais de R$ 10 bilhões, valores reconhecidos por ela. E não mais se falou a respeito desse tema.
— Uma das pesquisadoras do período antecedente à Vale, a historiadora e mestre Cecília Maria Viana Camilo de Oliveira, escreveu num de seus livros “Itabira, desenvolvimento e dependência” /1992), que a obsessão itabirana continuou sendo a siderúrgica nacional. E assim, vista pelos estudos de Clodomiro.
— As “Três Marias”, irmãs e nossas guias — Maria Cecília de Souza Minayo, mestre em Antropologia e hoje consultora da Fiocruz, RJ; Maria do Rosário Guimarães de Souza, Zara, graduada em matemática, especializada em Ciência do Ambiente e Maria das Graças Souza e Silva, Baginha, graduada em Estudos Sociais, especializada em Geografia — esbanjam amor e profissionalismo por Itabira, estão aí disponíveis, guardando seus inúmeros conhecimentos.
— Data notável para Itabira: 22 de maio de 2003: esteve em Itabira o então diretor de Ferrosos do Sistema Sul da Companhia Vale do Rio Doce, José Francisco Viveiros. Reuniu-se com autoridades na Prefeitura e na Acita, com empresários. Incendiou os ambientes e mudou a visão do empresariado local: “O minério de ferro de Itabira deve durar até pelo menos o fim do século (2075)”. Era prefeito de Itabira Ronaldo Lage Magalhães e presidente da Acita Reginaldo Calixto de Oliveira.
— Nasce e morre um programa — “Projeto Itabira 2025” — também iniciado na Acita, com o então presidente Olímpio Pires Guerra (Li), que se elegeu prefeito no ano seguinte (1992). Márcio Antônio Labruna culpa a inexperiência política da equipe “2025”, e espera ver ressuscitar as ideias que começaram a entrar em pauta e davam certo.
— Resta a esperança de embalo da Universidade Federal de Itajubá (Unifei) o primeiro e decisivo empreendimento de Itabira para alicerçar o futuro. Faz quase 20 anos iniciavam-se as reuniões e preparações para chegar a Itabira um projeto inovador. Agora, completa-se 15 anos de funcionamento de nove faculdades de engenharia. Há uma paralisia fora de todas as previsões. Depende do itabirano agora.
CONCLUSÃO
— “O que mais posso fazer por vós, Cidades e Minerais do Brasil?” — a frase seria de Clodomiro Augusto de Oliveira, o homem que enxergava o infinito. Seu tom voltaria mais para Itabira, a cidade sempre sacrificada.
De suas luzes voltadas para longe, ele mostrava em que os governos deveriam concentrar-se com vistas ao fim da mineração. “O trabalho de qualquer país é mais beneficiado pela importação de minério bruto e pela importação de matérias-primas do que pela importação de produtos manufaturados” — são palavras dele, na assinatura do prefácio.